28/05/2009

Carta aberta ao meu colega Bruno Soares

Caro Bruno Soares

No seguimento da entrevista explicativa do meu ilustre colega ao "I", senti um enorme desejo de lhe escrever.
Como sabe, também eu fiz um projecto* para o Terreiro do Paço, projecto esse avaliado por um júri e sem concurso prévio, tal como viu em Dezembro de 2003 quando da exposição pública. Este estudo pretende recuperar a frente rio histórica da minha cidade de Lisboa, entre Santa Apolónia e Cais do Sodré.

Tive melhor sorte, pois o meu único compromisso era a beleza.

Tentativa de 3D isométrica da minha proposta

Fiquei muito decepcionado com a sua proposta, mas também surpreendido pois o seu projecto coloca e acentua a figura do rei para festejar a republica o que não deixa de ser uma contradição. E, na dúvida, uma monarquia absoluta! Aliás, ultimamente esta republica anda um pouco à boleia da monarquia, pois a situação relativamente aos Museus dos Coches é de facto muito semelhante.

Apesar da louvável tentativa de restaurar o modelo de uma praça do Sul, na realidade o colega conseguiu transformar o Terreiro do Paço num modelo de praça real à francesa onde a presença do monarca está reforçada.

Provavelmente por ser de outra geração, já ultrapassei e não vivo esse estigma do Estado Novo. Já não me aflige, e graças a Deus os valores e verdadeiros heróis de Abril estão bem presentes no nosso espírito, e portanto já não me assusta, que “…queiram restaurar o desenho do Estado Novo…”, e portanto essa, a mim, não cola. Tenho muito respeito pelos mestres do passado que a sua maneira souberam, alguns, com muita habilidade surpreender os seus contemporâneos e a nós, que hoje tanto os admiramos pela sua sinceridade modernista.
Não consigo compreender essa sua necessidade de querer “estabelecer um percurso”, condicionar, ou espartilhar a nossa forma de ver. Será um sinal de saudade outros tempos? Pois de uma forma quase natural qualquer visitante, na sua primeira vez, será imediatamente deslumbrado ao chegar ao Terreiro do Paço, pois ao longo do percurso pela Baixa a sua vista vem sendo “emoldurada” tal como muito bem diz quem escreveu e escreve sobre Lisboa. A ordem estabelecida pelo desenho urbano da baixa foi já na altura exigida, e justamente culmina na praça barroca para a celebração da “Vida”. Na realidade o meu estimado colega perdeu a oportunidade de dar aos lisboetas, e a quem nos visita, uma forma de celebrar a “Vida com Liberdade”.
Esse sim seria o projecto sem concurso prévio, infelizmente e por diversos motivos, não poderei dizer que gostei dos seus "bonecos"!
Até breve,

GCS

*Tese de M.Arch.D.U. realizada em 2001/2003 na University of Notre Dame, EUA