01/09/2014

Um Dia Como Outro

Um dos grandes mimos de viver tão central como eu vivo é permitir-me caminhar até qualquer destino de relevância (porque os tenho perto) e nem duas estações de metropolitano com acesso à linha verde e vermelha visíveis das minhas varandas me demovem das minhas caminhadas.
Hoje, um dia como qualquer outro, passava pela Praça de Londres e, tendo avistado um Polícia Municipal montado no seu Segway, não resisti em começar este pequeno diálogo:
- Importa-se de me informar se aqui é possível estacionar? - perguntei retoricamente, não soubesse eu que os três (!) sinais de proibição de parar e estacionar na parcela em frente ao malogrado cinema Londres e de uma conhecida e concorrida loja de comida de plástico impedem determinantemente o estacionamento.
- Sim, é... - o polícia respondeu, prontamente, como se dezenas de carros estacionados precisamente alí não consubstanciassem uma clara transgressão constituindo, nos limites das suas obrigações profissionais, uma ordem gritante para agir na reposição da legalidade.
- E o que me diz destes carros aqui estacionados, aliás a qualquer hora do dia ou da noite?!
- Pois, estão sempre aqui... o que fazer?
- Mas se o senhor não pode fazer nada quem poderá? - estava atónito com a posição do polícia que se equilibrava naquela geringonça orgulhosamente, como um adolescente com um brinquedo radical na mão.
- Eu por vezes até multo, mas estão sempre aqui... - apelava ele à minha comiseração pelo seu trabalho tão mal-compreendido - e depois somos insuficientes.
- Mas se sempre estão aqui bastava mandar um de vocês assiduamente e certamente fariam o dia - dei por mim a dar soluções, não de base legalista, mas antes economicista, que nos tempos que correm...
A resposta dele, que não vou reproduzir, deu-me a entender que não tinham ordem das chefias (cof, cof)
- Olhe que por vezes até estão em segunda e terceira fila, em plena faixa central! - pensei que esta informação o iria chocar tanto como a mim.
- Ah! Mas aí eu por vezes multo, de alto a baixo - que orgulhoso estava por me mostrar que sabia fazer uso das prerrogrativas que o seu cargo pressupõe!
Escusado será dizer que enquanto ele arrancava ligeiro naquela "coisa" de duas rodas eu não consegui deixar de pensar que ele multava os estacionados em segunda fila, mas os outros junto ao passeio não... faz sentido!
Já de volta a casa, pela Avenida Casal Ribeiro, um pé colocado nos imensos desníveis dos passeios levou-me a fazer um passo de dança moderna e a equilibrar o saco das mercearias no ar. Não caí! Assim como não caí no dia anterior, na Avenida Guerra Junqueiro.
Os passeios de Lisboa são um desafio constante ao traseunte: se não são os desníveis de obras novas, de obras velhas, ou simplesmente por mau uso, sãos os buracos, as caldeiras de árvores, os pilaretes rasteiros, as publicidades, as paragens, os contentores do lixo deixados no meio do passeio...
Entretanto avistei um casal de estrangeiros a olhar para cima. Não me pareceu que fosse um pássaro, um avião ou mesmo o super-homem. Era o n.º 14. Magnífico edifício Arte-Nova tardio, levou um daqueles tratamentos de demolição de interiores com construção de uma excrescência em vidro espelhado.
Ao passar por eles ouvi:
- Horrible!
Bem Vindos a Lisboa!

1 comentário:

Julio Amorim disse...

Este diálogo com o nosso representante da ordem poderia ter sido há 30 anos (?)
e continuamos no "por vezes". Uma cidade "porreira" mesmo....