13/04/2014

E ainda há pouco tempo se debatia a reabilitação - 2

Estes dois prédios aqui retratados, ambos na Rosa Araújo, são dois exemplares de grande qualidade. Correspondiam à ideia de Lisboa que se queria ver a si própria como uma Capital que se modernizava e engrandecia, atraindo para estas avenidas uma parte da sua crescente burguesia. Estiveram anos ao abandono, com as janelas abertas à destruição, com as coberturas cada vez mais destelhadas, vítimas da inglória com que a cidade convive com a sua herança patrimonial. Duas semanas após a grande efémeride sobre a reabilitação, avançaram, finalmente as máquinas. Faz-se obra em Lisboa.

Aspecto lateral do mesmo colosso. Prédios destes já não há em Lisboa. Os que restavam foram de tal forma adulterados que já nada nos faz lembrar da sua dignidade passada. Estes actos correspondem a um ideal de cidade ultrapassado. Bruxelas, Paris, Barcelona, Londres, Madrid, Viena, Berlim, valorizam, na esmagadora maioria dos casos, estes exemplares testemunhos de uma época tão original, como indispensável para uma leitura plena das cidades. Em Lisboa, a história treslê-se é é desfigurada todos os dias.

Notável fachada de gaveto. O chão aqui tem mosaicos, os tectos estuques. Nada disto interessa a uma cidade que vive no imediato das medidas avulsas e irresponsáveis. Faz-se obra em Lisboa

Repare-se na original estrutura interior destas galerias de gaveto. Sempre o mesmo prédio de rendimento que agora é vítima de uma promoção imobiliária que se alimentou por anos de impunidade e incúria. Tornamos a cidade mais pobre todos os dias. 

Aqui, provavelmente, nascerá uma garagem correspondente, em dimensão, ao condomínio que irá substituir aquele que foi um dos "notáveis" da zona da Avenida da Liberdade. Merecia ter sido classificado, acarinhado. Os fundos imobiliários que adquirem estes prédios, são fundos milionários, os quais poderiam promover outro tipo de reabilitação que envolvesse a recuperação dos interiores. Infelizmente, o famigerado retorno do investimento fala sempre mais alto. E isso não devia ser uma fatalidade. Mas em Lisboa é-o.

Estuques, vidros, vitrais, frescos, chãos e portas de madeiras raras. Fica a fachada para nos lembrar que, afinal, tudo já foi diferente. E poderia ter continuado a sê-lo. 

Este é o segundo prédio na mesma zona. O promotor é a CERQUIA, responsável pela gaiola de vidro de um dos mais invulgares prédios de aparato na Avenida da República. Aqui teremos mais do mesmo.  Um interior em absoluta negação com a fachada que, como se vê, conferia uma dignidade à zona e que irá desaparecer. A CML está empenhada na destruição do património desta época. Só isso justifica a gigantesca onda de demolições que tem vindo a assolar todos os cantos de Lisboa nos últimos tempos.

Raras são as cidadses capitais que se dão ao luxo de esventrar prédios com esta incontestável qualidade. O que nas outras é excepção, aqui é a norma. E não nos venham dizer que isto é o nacional pessimismo a falar e "o lá fora é que é bom". Lisboa poderia ser uma cidade belíssima, fossem outros os que dela tratassem. Coube-nos em herança uma singularísisma cidade. Mas não estamos à altura da responsabilidade de a respeitar e valorizar.



Neste eixo, em semanas de intenso debate sobre reabilitação, há novas decorações: máquinas e gruas, cilindros de moagem de cimento, camartelos, toda a parafernália obrigatória na festa da demolição. Em Lisboa, quando se destrói não se brinca. Parabéns.

A este e a uma interminável série de outros semelhantes já não há formol que lhes seja útil.
O património da viragem do século XIX-XX é o menos valorizado de Lisboa. A sua destruição vai de vento em popa. E é imparável. A realidade é esta. Seria bom que fosse outra. Mas não é. 

3 comentários:

Anónimo disse...

Europa?
lol.

Martim disse...

Façam como eu: enviei e-mails críticos para o gabinete do Vereador Manuel Salgado: gab.manuel.salgado@cm-lisboa.pt


Só assim veêm que não andamos a dormir!

Miguel de Sepúlveda Velloso disse...

Caro Martim,

Obrigado pelo seu comentário.

Muitos mails já foram enviados, mas há sempre mais que o serão.

Cumprimentos