15/03/2014

À espera da calçada portuguesa


In Público Online (11.3.2014)
Por Diogo Santos Cordeiro

«A calçada é perigosa? Perigoso e assustador é a fraca autonomia que a autarquia demonstra nas suas políticas. Ou sinceramente utilizando-a apenas para o que lhe convém

Pensei, sinceramente, ser o momento da política autárquica. Havia esperança na autarquia. Queria eu, claro. A autarquia aproveita-se da situação actual para concretizar políticas à sua própria conveniência. Está na hora de os portugueses acordarem e defenderem a modéstia. Exigir mais dos nossos presidentes de câmara, presidentes de junta. São eles que conseguem actuar rapidamente e fazer sentir os resultados na sua política semanas depois.

A política legislativa é assustadoramente tardia e irreversivelmente demorada. Os seus efeitos, às vezes, só os sentimos décadas depois. A autonomia da autarquia é menosprezada. E a culpa também é nossa. Que a desprezamos. Que nem sequer exercemos o nosso direito, o direito de elegermos quem achamos representar melhor o cargo de presidente no nosso concelho. Uma pena.

"AML aprova retirada da calçada portuguesa até 2017". Entre os anos de 1950 a 1960, a Câmara Municipal de Lisboa convidava artistas plásticos como Abel Manta, Clara Smith e Maria Keil para desenharem motivos para a nossa calçada. É arte!

A força e a sua arte é tão enraizada que os os trabalhadores especializados na colocação deste tipo de pavimento são denominados mestres calceteiros. Os mestres calceteiros têm uma técnica, uma arte. Tanto que em 1986 foi criada uma escola para calceteiros.

Não entendo o gosto português para desprezar o que é nosso, tão nosso. Unicamente nosso. Portugal ajoelha-se ao estrangeiro. Ó "Lisboa não sejas francesa!" já dizia a rainha do fado.

É bom internacionalizarmos-nos. É bom, mas nunca perdendo a nossa raiz, a nossa cultura. Podíamos ser tudo, mas só seremos especiais, sendo quem somos, orgulhando-nos de nós. Havemos sempre de ser uma fotocópia rasca de alguma cidade europeia se as continuarmos a imitar. Eu também gostava de cozinhar como a minha avó. Ela já me deu a receita, os ingredientes, mas a mão dela será sempre a mão dela. Nós não somos franceses ou ingleses, nós somos portugueses e Lisboa é nossa, inteiramente portuguesa.

Enfim, sou totalmente contra a retirada da calçada. A calçada portuguesa é uma marca lisboeta. Nacional e admiravelmente histórica. A calçada é brutalmente fotografada, admirada e invejada. É uma das atracções turísticas em Lisboa e os turistas perdem horas a olhar para ela. Já experenciei isso. Eu próprio já perdi tempo a olhar para ela. Muito tempo. Ela não diz nada, mas fala connosco. É portuguesa, e basta. Desde do projectista, ao desenhista e ao mestre calceteiro, todos merecem um bem-haja. Todos!

A calçada é perigosa? Perigoso e assustador é a fraca autonomia que a autarquia demonstra nas suas políticas. Ou sinceramente utilizando-a apenas para o que lhe convém. A calçada não é perigosa. Se a mulher portuguesa não pode andar de saltos altos na capital, passeie-se de ténis. Troque, se quiser, à porta do escritório, no local da entrevista de emprego, do bar, da discoteca. Vamos sujeitar a nossa arte, um dos símbolos nacionais aos caprichos momentâneos?

A política autárquica é uma desilusão, ficou aquém das minhas expectativas. Um presidente da câmara pode, certamente, lutar por si, pela sua cidade, pelo seu município. Tem poder suficiente. Uma política autárquica é sinónimo de desenvolvimento e de progresso.

Se os portugueses pusessem os olhos nisto, talvez as coisas pudessem mudar um bocadinho. Se nós nos preocupássemos mais com a nossa rua, com a nossa freguesia, talvez pudéssemos actuar mais rápido, eficazmente.

Vou esperar sentado. Vou morrer à espera com o rabo quadrado.»

1 comentário:

Xico205 disse...

Quem semeia ventos colhe tempestades, não tivessem votado neles.