26/02/2014

Caderno de encargos para futuro DGPC

Artigo de opinião de Paulo Ferrero, Diário de Notícias de 26 Fev 2014

Declaração de interesses: o autor concorreu a diretor-geral do Património Cultural sem sucesso.

Ao futuro diretor-geral do Património Cultural, votos da maior das felicidades, no pressuposto de que quanto maior ela for mais o nosso património cultural terá a ganhar com isso, mesmo que sobre ele, o património, paire enorme incerteza do que lhe poderá valer o próximo QCA - se for nada, então corremos o sério risco de daqui por 1-2 décadas termos apenas o trivial...
Mas votos, também, para que ele leve por diante uma série de ações a curto prazo, em prol do nosso Património, que continua pelas ruas da amargura. E se do imóvel, edificado, classificado ou não, basta andar por aí para se ver como ele definha, dos bens móveis é melhor nem falar.
Desde logo, essas ações devem ter como princípio orientador o combate decidido ao binómio (já estrutural da casa que irá dirigir) que conjuga uma gritante falta de credibilidade da instituição junto do público (do cidadão comum, do promotor, das autarquias, etc.), que se vem agravando ano após ano (com demoras imensas, pareceres ridiculamente frouxos sobre licenciamento urbanístico, protocolos que convidam à "via-verde", processos de classificação inexplicáveis e inexplicavelmente morosos, etc.), com a óbvia ausência de proatividade enquanto agente interventivo e normativo de salvaguarda (não se lhe conhece uma tentativa de apresentação à tutela de propostas de alteração à lei do mecenato, ou sobre os custos-benefícios para quem possui bens classificados, ou sobre exportação de bens móveis, tão em voga recentemente e onde os procedimentos em vigor continuam caricatos, apesar das convenções).
Organicamente falando, aconselha-se uma assessoria interna capaz e a reformulação corajosa do conselho consultivo (a começar pela SPAA). Funcionalmente, está por fazer o levantamento das necessidades em cada serviço, em termos humanos e logísticos, e, claro, falta motivar os quadros ainda existentes e analisar, refletir e agir em conformidade. Em termos operacionais, eis dez ações imediatas, dez medidas para os dez primeiros meses em funções:
1. Avançar com a "Carta de Risco" do património cultural classificado, público e privado, imóvel e móvel (há algum inventário fidedigno deste?).
2. Extinguir os protocolos celebrados no âmbito do licenciamento urbanístico extraordinário, devolvendo essa tarefa aos técnicos, sob a máxima: "Um parecer bem fundamentado deve ser acatado e despachado em conformidade, doa a quem doer."
3. Avançar com a inventariação do património imóvel de reconhecido valor mas não classificado, existente em espaço urbano e/ou de temáticas esquecidas e/ou sob ameaça da pressão imobiliária, abandono declarado, incumprimento da lei: arquitetura dos séculos xix-xx (incluindo modernismo), arquitetura industrial, comércio de carácter e tradição.
4. "Muscular" a inventariação dos bens móveis objeto de protocolo com a Igreja Católica e com o projeto SOS Azulejo (a arte sacra e o azulejo são os dois elementos patrimoniais identitários nacionais, ambos sob crescente delapidação).
5. Incumbir os serviços (recorrendo a ouvidoria independente) de elaborar projetos de alterações à Lei do Mecenato, à regulação do mercado de antiguidades e à exportação de bens móveis, para posterior submissão à tutela/A.R.
6. Apoiar e preparar convenientemente duas candidaturas de Arquitetura da Água à UNESCO/Património da Humanidade, em 2014: o alargamento da classificação do Convento de Cristo ao esquecido Aqueduto de Pegões, e a classificação do Aqueduto das Águas Livres (com cisternas, casas-de-água, condutas e chafarizes).
7. Reformular/revitalizar a Rede Nacional de Museus (membros, bilhetes, etc.), fazendo justiça a três deles, autonomizando o Museu de Arte Popular; parametrizando convenientemente o que deve ser o Museu da Música; lutar pela ampliação do Museu do Chiado.
8. Averiguar do andamento do projecto EEA Grants "Rota das Judiarias", e, se for caso disso, recuperar o mesmo para a esfera da DGPC, em Lisboa, porque se trata da imagem do País, e
9. Preparar, desde já, 2017, criando as condições objetivas para que seja possível apresentar aos próximos EEA Grants uma candidatura bem estruturada a tempo e horas...
10. Reforçar a abertura do Património à guarda da DGPC à iniciativa privada, sem o prostituir ou delapidar, recorrendo à figura de "patrono", lançar campanha sistematizada de angariação de mecenas para fins específicos.
Verborreia e pesporrência? Talvez.


1 comentário:

Julio Amorim disse...

Gostei especialmente do "acatado e despachado em conformidade, doa a quem doer"

Sim....porque património de valor (seja ele de que tipo for), nunca poderá ser protegido de pantufinhas nos pés.