09/06/2013

"A reabilitação dos bairros de Lisboa vai descer à terra"....



"Todos os dias encerram lojas em Lisboa. Quem anda pelas ruas depara-se com esse cenário, mas dificilmente está a par da crueza dos números: em média, 16 lojas fecham as portas diariamente na capital; por ano, são mais de 5700. É uma bola-de-neve que está a desertificar zonas da cidade onde o comércio desempenhava um importante papel na vida de bairro. Zonas que, sem comércio e sem pessoas, estão em progressiva degradação.

O problema inquietou suficientemente quatro arquitectas para que se pusessem a trabalhar numa solução – e encontraram-na. O resultado é o projecto Rés-do-Chão, que nesta quinta-feira foi distinguido com o terceiro prémio do FAZ – Ideias de Origem Portuguesa, no valor de dez mil euros (o primeiro e o segundo prémios foram entregues, respectivamente, aos projectos Orquestra XXI e Fruta Feia).
 
O plano é simples: devolver as ruas às pessoas. Havia mais um projecto entre os finalistas com o mesmo objectivo. Foi o método proposto para o fazer que entusiasmou o júri do concurso da Fundação Gulbenkian e da Cotec – Associação Empresarial. “A nossa missão é ocupar pisos térreos comerciais vazios através de um novo modelo de arrendamento comercial, fazendo uma ponte entre proprietários e arrendatários”, começa por explicar Marta Pavão.

“Uma das coisas que sabemos é que muitos dos proprietários hoje em dia só estão dispostos a fazer arrendamentos longos, de dois, três, quatro anos, ou a vender. Os arrendatários não querem, e não podem, assumir o risco de arrendar por longos períodos de tempo. O Rés-do-Chão tenta resolver esse problema do mercado, criando esta ponte entre os dois”, aprofunda Sara Brandão, numa conversa a cinco com o PÚBLICO.

Sara Brandão é a única da equipa que vive em Lisboa. A “visionária” desta ideia, Mariana Paisana, está em Ahmedabad, na Índia. Marta Pavão e Margarida Marques trabalham em São Paulo, Brasil. Na última semana, estiveram a aprimorar o projecto. A conversa decorre após essa semana de “treino” e ainda antes de terem conhecimento do prémio. Até aí, só tinham recebido elogios. Poucas horas depois tinham assegurado um financiamento inicial.

Vão apostar numa espécie de reabilitação horizontal, contrariando a tendência de recuperar edifício a edifício. Porquê? “Vamos começar pelo espaço que é vital, porque acreditamos que este é o esforço mínimo possível para conseguir o máximo de reabilitação. Ao conseguirmos reabilitar os pisos térreos, vamos muito mais rapidamente reabilitar o espaço público e incentivar a que o resto aconteça na vertical, nos outros pisos”, afirma Margarida Marques.

“No fundo, isso é parte do modelo inovador do projecto”, diz Sara. “Achámos que devíamos começar pelo layer da rua e não reabilitar a partir dos edifícios individualmente. Primeiro, faremos uma selecção de pisos térreos que não necessitam de obras de grande volume. E acreditamos que isso no futuro vai potenciar investimentos de outras pessoas, de outras entidades, para virem a reabilitar o edificado. Mas neste momento temos de começar pelo que não está extremamente degradado mas está vazio, porque é o mais rápido e mais eficaz.”

Intervenção no bairro de São Paulo
O Rés-do-Chão vai começar pelo bairro de São Paulo, ao Cais do Sodré. “Falámos com a Câmara [Municipal de Lisboa] para perceber se era ou não um lugar o estratégico. Disseram-nos que sim, explicaram-nos que dentro dos programas BIP-ZIP [Programa Local de Habitação] é um dos bairros considerados de intervenção prioritária”, conta Marta Pavão. “Toda esta zona ribeirinha tem uma série de planos de desenvolvimento futuros. O Cais do Sodré tem uma série de dinâmicas associativas e muitas instituições vão mudar-se para aquela zona”, atalha Sara Brandão.

“No futuro, aquela zona vai necessitar de novos serviços, de novas actividades, de novas dinâmicas e, além disso, está neste momento muito degradada e muito desertificada”, continua. “E é uma zona com um património incrível.” Acresce que o bairro tem matéria-prima em quantidade para o Rés-do-Chão trabalhar: segundo Sara Brandão, “mais de metade dos pisos térreos está neste momento vazia”.
Feita a intervenção, seguirão para outros bairros. “O objectivo é que as pessoas se apropriarem disto e não sermos necessárias daqui por um tempo”, explica Margarida Marques. Sara Brandão sublinha por seu lado que “é necessário capacitar a população e a comunidade para que as suas ruas não estejam vazias”. E é por isso que pretendem envolvê-las no processo. “Queremos desenvolver parcerias com a comunidade local, artistas locais, residentes – é muito importante este envolvimento. A nossa ocupação não será indiferenciada do lugar e do contexto”, diz.

Também não será indiferente à altura do ano. Mariana Paisana, a autora da ideia, lembra que existem oportunidades de negócio sazonais que não devem ser esquecidas – comerciantes que têm produtos para vender em alturas como o Natal, a Páscoa ou o Verão, mas que não têm como manter uma porta aberta o resto do ano. É para criar este tipo de oportunidades de negócio e de dinamização os espaços que nasce o Rés-do-Chão.

“O que nós percebemos foi que neste momento o comércio, como nós o conhecemos, não está a funcionar. E portanto o que queremos é dar possibilidades às pessoas de encontrarem novas maneiras de trabalhar nesta nova maneira de ver a economia”, afirma Mariana Marques.

“Quando não há arrendatários, nós próprias acabaremos por ocupar os espaços com actividades que gerem receitas e que dinamizem esses espaços”, adianta Margarida Marques. Por outro lado, as quatro arquitectas também pretendem que “o Rés-do-Chão seja responsável pela dinamização de alguns pisos térreos estratégicos na cidade para conseguir receitas que garantam a continuidade da iniciativa”.

O grande desafio, para já, será fazer do bairro de São Paulo uma zona tão movimentada de dia quanto é de noite. Ou, pelo menos, diminuir o fosso entre o número de pessoas que acorrem ao Cais do Sodré nos diferentes momentos do dia. O primeiro passo será disponibilizar a informação que estão a recolher, sobre as necessidades daquela zona, sobre as últimas lojas que fecharam e porquê, para que os potenciais futuros ocupantes destas ruas saibam “o que faz sentido neste momento naquele bairro”."

Por in Público 
 
 

5 comentários:

Filipe Melo Sousa disse...

Fecham 16 lojas por dia em Lisboa? Deviam estar os bloggers deste espaço todos a aplaudir. Depois de anos de determinação a afastar os moradores, comerciantes e clientes, porque (pasme-se) estacionam. Depois de insultar a estética da decoração e das esplanadas. Depois de aplaudir a burocracia camarária que impõe todo o género de requesitos incompreensíveis.

Depois de recusar o comércio e a cidade possíveis em Lisboa, ficaram com o nada. É o preço a pagar pelo fundamentalismo. Bom proveito.

Anónimo disse...

E passar de autocarro pela Rua do Ouro, que tal? Parece que andamos numa cidade que sofreu um bombardeamento ou, vá lá, para sermos benevolentes, que o autocarro anda num campo lavrado.

Anónimo disse...

Mas quem é que ainda quer, ou pode, abrir negócios neste país? Quem poderia gastar dinheiro nesse tipo de comércio não tem ou não gasta. Deviam analisar (a perda de) hábitos de consumo dos últimos dois anos...

Anónimo disse...

Mandar constantemente baboseiras devia pagar imposto e o sr Sousa devia andar a esta hora a arrumar os carros de que tanto gosta. Irra.

Filipe Melo Sousa disse...

Mais impostos? Muito gostam vocês de ir ao dinheiro dos outros. E ir trabalhar?