29/01/2013

Barcos seiscentistas descobertos na 24 de Julho não vão ser musealizados.



A hipótese de as duas embarcações seiscentistas descobertas durante as obras de construção da nova sede da EDP, em Lisboa, serem musealizadas foi afastada, por se ter concluído que o estado de degradação que apresentam não o permitiria. Segundo o coordenador dos trabalhos arqueológicos, só uma secção de um dos barcos (a sua roda de proa) foi seleccionada "para uma eventual futura musealização". 



Património

Barcos seiscentistas descobertos na 24 de Julho não vão ser musealizados
Por Inês Boaventura in Público

Além das embarcações e de alguma carga, como cachimbos, faianças, vidros e dezenas de cocos, os arqueólogos encontraram ânforas do século V durante a construção da nova sede da EDP, em Lisboa


Alexandre Sarrazola afirmou ontem, durante uma visita ao estaleiro na Avenida 24 de Julho, que esta foi a determinação da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), depois de os técnicos terem concluído que a construção e funcionamento de uma fábrica de gás no século XIX no local fez com que os barcos ficassem "muito degradados". "A estacaria da fábrica rompeu o casco das embarcações", descreve o arqueólogo, garantindo que "o que é possível mostrar foi seccionado".
Em declarações anteriores ao PÚBLICO, a subdirectora da DGPC já tinha adiantado que "face ao seu estado os barcos nunca serão de conservar integralmente para restauro e musealização". "As madeiras encontram-se muito fragmentadas. Sofreram muito com a pressão do aterro da Boavista", justificou Ana Catarina Sousa.
Os trabalhos arqueológicos em curso na Avenida 24 de Julho, perto do mercado da Ribeira, já permitiram concluir que ambas as embarcações são do século XVII, mas não se sabe ainda se terão sido abandonadas ou se terão naufragado. Numa delas foi encontrada apenas "carga de tripulação", como cachimbos, faianças e vidros, mas na segunda também havia alguma carga comercial: "três a quatro dezenas de cocos", conta Alexandre Sarrazola.
A origem da primeira embarcação (cujos trabalhos de escavação estão ainda em curso) permanece desconhecida, mas a forma de construção da segunda (já integralmente escavada e desmontada) e a carga que transportava levam a crer que "estaria a navegar em águas do Sul" e que a sua concepção seria "ibero-atlântica", explica o coordenador dos trabalhos arqueológicos. Este investigador acrescenta que, embora não seja impossível, não é provável que novos barcos sejam descobertos, já que "há relativamente pouca área por escavar".
No local onde vai nascer a nova sede da EDP foram também encontradas "mais de uma dúzia de âncoras de todas as tipologias", bem como "porcelanas do século XVIII ao lado de ânforas do século V". Alexandre Sarrazola diz que esta mistura de vestígios de várias épocas "era expectável", por a área em questão ter sido um fundeadouro - local de ancoragem das embarcações. Por isso mesmo só numa fase posterior, em laboratório, será possível estabelecer com exactidão quais os objectos pertencentes aos barcos seiscentistas e quais os que tinham outra origem.
A subdirectora da DGPC explica que "as madeiras já retiradas do local encontram-se num local disponibilizado pela EDP na Caparica para esse fim, em tanques. Algumas atingem mais de dez metros de comprimento". "Vamos estudar peça a peça. Cada uma será lavada e desenhada, tornando-se mais uma peça num puzzle que não está completo", refere a esse propósito Alexandre Sarrazola.
O arqueólogo da empresa ERA sublinha que empreendimentos como a da nova sede da EDP e o de um parque de estacionamento na Praça D. Luís (onde foi descoberta, em Março do ano passado, uma rampa do séc. XVI para entrada e saída de barcos, provavelmente numa área de estaleiro) permitiram que passasse a haver "materializações efectivas" de algo que até aqui "eram palavras em textos e desenhos em iconografias".
A assessora de imprensa da EDP disse ao PÚBLICO que, apesar das escavações arqueológicas que ainda se encontram em curso, "mantém-se a previsão" de que a nova sede da empresa possa estar concluída "no final de 2014". Em meados de 2012, quando teve lugar uma cerimónia de apresentação do empreendimento, orçado em 56,9 milhões de euros, a sua conclusão tinha sido apontada para o fim do primeiro semestre de 2014. com Ana Henriques

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