15/11/2012

Estacionar em cima do Estado de Direito

Caros Leitores,

vivemos em tempos onde se discute bastante sobre a constitucionalidade e a Constituição em relação à Lei do Orçamento do Estado. Por outro lado, todos temos interiorizado que vivemos num Estado de Direito mas sinto que o verdadeiro alcance deste realidade é pouco mais do que uma abstração para a maioria dos portugueses - é a conclusão que tiro pela análise fria do que tem sido o comportamento da nossa sociedade desde há uns bons quarenta anos.
Ora se Estado de Direito significa que organizámos a nossa vida como coletivo (com repercussões na esfera privada) de uma forma regulada por leis e que todos estão sujeitos a essas leis, criámos mecanismos para garantir o seu cumprimento. E dessa feita esperamos que quem elegemos aja em total e estrita legalidade. E do sistema judicial "inventado" com o único proprósito de repôr a legalidade esperamos e exigimos atuação pronta, constante, independente e sempre justa. E das forças policiais esperamos desvelo, omnipresença e reação atempada na defesa do bem comum descrito nos corpos jurídicos.
Assim sendo, e tendo como certo estas premissas, naturais num Estado de Direito, como podem os portugueses achar de menor importância o que se passa no trânsito onde o Código de Estrada é um mero adereço para justificar ações pontuais das autoridades?!
O que temos em Lisboa (e Portugal):
Estacionamento e circulação em cima de passeios;
Estacionamento e paragem em cima de passagens de peões;
Estacionamento e paragem em plenas vias de circulação, obstruindo-as parcial e totalmente;
Privatização da via pública onde na falta de espaço opta-se pelo automóvel.

A realidade é toda, e não outra, esta: a classe política não toma as medidas necessárias para garantir o fim do estado de coisas porque as medidas não são populares e afastam votos; as forças políciais não atuam de uma forma continuada e criteriosa porque têm indicações para não o fazer, mesmo quando à frente dos seus narizes e independentemente das incontáveis denúncias. O sistema judicial não julga os anteriores por demissão criminosa de funções.
Porque não vejo uma revolta generalizada sobre esta situação como em relação ao OE?
Porque uma esmagadora maioria de portugueses é responsável por esta situação; e aproveita-se e pressiona os políticos e as autoridades a manter a situação.

Pergunto então: ainda querem um Estado de Direito quando em tantos aspetos da vida a ilegalidade está generalizada e é apoiada por uma maioria que dela tira vantagens?

Um clássico de Lisboa: Avenida de Roma em frente ao McDonald's e ao cinema Londres. Há vários sinais  de proibição de estacionar em toda a extensão da via! Por vezes ainda se forma uma segunda fila ao lado desta. E o Ministério da Segurança Social é já aqui na esquina. A imagem que se vê aqui passa-se a qualquer hora do dia, ininterruptamente.

Avenida Almirante Reis. Precisa de descrição?

Praça do Chile. Porque não eliminam o semáforo que está a estragar o constante estacionamento?

Rua Francisco Sanches. Situação antiga e continuada.
Alameda D. Afonso Henriques. Estes carros têm de circular vários metros em pleno passeio para estacionarem deste forma.

Esta é a minha favorita! Estacionamento ao lado e no acesso do Parque de Estacionamento do Campo Pequeno. O requinte e atrevimento aqui é digno de uma crónica de cavalaria. Como é possível... como é possível?



7 comentários:

Xico205 disse...

É o sistema.

Julio Amorim disse...

Muito bem apanhado....o estado do (meu) direito continua a governar muitas cabecinhas.

Carlos Medina Ribeiro disse...

Se quiserem fotos ainda mais escandalosas da Av. de Roma, da Praça do Chile, da Alm. Reis e da Alameda Afonso Henriques (para já não falar de muitos outros de locais de Lisboa - mas não só!), peçam-me:
medina.ribeiro@gmail.com

(Tenho umas 1000, tiradas ao longo de quase 5 anos)!

Anónimo disse...

Lemos com atenção, mais que uma vez.
Talvez a deficiência de interpretação seja nossa. A esmagadora maioria é responsável.
Estamos a falar de que maioria?
A maioria dos portugueses têm automóvel?
Será?
Quantos automóveis existem?
Repartidos por quantos agregados familiares?
O INE ou outros bancos de dados dão números.
Ou estamos a falar de outra maioria?
Ainda querem um Estado de Direito?
Com toda a clareza e respeito, esclareça-se que Estado se pretende.
Apreciando o conteúdo do texto, concordamos que é uma vergonha nacional a apropriação que o Automóvel faz de todos os espaços urbanos que não lhe pertence.
Soluções.
Manifestos, petições, manifestações, reclamações, alteração da ordem pública por via da vinda para o espaço público de carrinhos de bébés, deficientes de toda a ordem, velhos com fraca mobilidade, etc.
Questionar, confrontar, perguntar-lhe por exemplo, a vários eminentes especialistas e ao ilustre professor F.Nunes da Silva se toda a sua obra dita e escrita encontra coerência no cargo de vereador da CML.
Não decide Porquê?
Porque não pede a demissão?
Ou porque não denuncia os motivos e as pessoas que entravam que os seus saberes não sejam aplicados?
Porque não escrever ao Secretário de Estado ou aos Autarcas perguntando porque a Autoridade Metropolitana de Transportes não implementa o que deve.
Ou porque as Câmaras não implementam os Planos de Mobilidade?
Nós vamos escrevendo mas as respostas são sempre esquivas ou sem vontade de esclarecer.
O que resta?
Insistir, divulgar este atentado à boa vivência de uma cidade que se queria sustentável e que o salve-se quem puder fosse relegado e censurado públicamente.
Novos Governos?
Novo Sistema?
No texto não vislumbrámos esses propósitos.
De qualquer forma é importante que o Blogue continue a fazer a denúncia deste caos que é transversal a muitas cidades, vilas e meios urbanos deste País.


Anónimo disse...

Caro Anónimo,

este texto chama a atenção para a hipocrisia da nossa sociedade. Não há muitos que não encham a boca a falar das ilegalidades deste ou daquele e como num estado de direito tal não é possível. Mas não há muitos que se indignem com o estado real das coisas quando estamos a falar de estacionamento ou paragem ilegal no meio das vias de circulação. E as pessoas revoltam-se com as chamadas "caça à multa" como se fosse imoral a polícia atuar - e já o faz pouco e de forma pouco criteriosa.
Ou seja, as pessoas lembram-se das leis quando lhes interessa mas quando são um inconveniente o Estado de Direito ou a Constituição nem lhes passa pelo espírito e não hesitam em prevaricar.
Pode aplicar tudo o que foi escrito no artigo à proteção do património: ruína de prédios para construir por cima, fachadismo, janelas e portas de alumínio em edifícios históricos, publicidade selvagem, marquises fechadas, ar-condicionado nas fachadas...

Peão disse...

Retomo o tema dos bónus de produtividade que estavam a ser pagos aos fiscais da EMEL.

Na minha opinião, o bónus de produtividade era (e continua a ser) uma boa ideia.

Mas mesmo quem dele discorda como incentivo à fiscalização dos lugares tarifados, devia apoiá-lo, pelo menos, como incentivo à fiscalização (e reboque imediato) do estacionamento sobre o passeio e sobre as passadeiras.

Fica a proposta para o Vereador Nunes da Silva -- vai continuar a falar e a fazer poses, ou vai agir em concreto, no terreno?

Bárbaro dos subúrbios que odeia generalizações disse...

Chorem-me um rio, que eu tenho garagem no meu prédio bem longe de Lisboa e uso-a. Odeio esta gente cobarde que usa o carro como arma de arremesso contra a liberdade dos outros: isto tanto vale para os fundamentalistas anti-carro que para aqui pululam como para os energúmenos retratados neste post.
Eu próprio, na zona em que morei antes de actual, travei uma batalha com a Câmara Municipal e Junta de Freguesia para serem instalados pilaretes ou coisa do género nos passeios, porque o abuso era evidente.

Até hoje nada foi feito e os analfabrutos continuam a abusar dos passeios e passagens para peões.



Reafirmo: não ponham todos no mesmo saco que só vos faz mal. E não se esqueçam dos que vivem fora de Lisboa e precisam MESMO da carripana; não somos como esses que vivem na Avenida de Roma e levam o carro para tudo, desde trabalhar no Parque das Nações ou Baixa ou para um café na Alameda.