12/11/2012

Comer junto a monumentos é um problema exclusivamente italiano?

In Público (11.11.2012)
Por Liliana Pascoal Borges


«Em Roma quem comer nas praças pode ser multado até 500 euros. Na capital portuguesa esta lei faria sentido? Ou há problemas de gestão de espaço público mais importantes?

Há cerca de um mês, a autarquia de Roma colocou em vigor uma lei que proíbe "acampar ou construir abrigos improvisados" e "parar para comer ou beber". A lei, que estará em vigor a título experimental até ao final deste ano, causou grande polémica.

Um mês depois, o PÚBLICO teve conhecimento que duas estudantes espanholas, que se encontram a viver em Roma sob o projecto de mobilidade académica Erasmus, foram "convidadas a circular", enquanto comiam um gelado numa praça italiana e que se têm registado relatos de situações idênticas. Em Belém, por exemplo, são comuns os grupos que chegam em excursões e trazem a sua "merenda". Acabam por ficar ali na zona, junto ao Mosteiro dos Jerónimos, o que, ao contrário do que acontece na capital italiana, é legal.

O presidente da Junta de Freguesia de Belém, Fernando Rosa, não concorda que a solução para o desrespeito que se verifica contra o património esteja no método italiano. Apesar disso, admite que existem problemas que advêm deste hábito. Recentemente, o autarca presenciou a entrada de um turista no Mosteiro dos Jerónimos com um refrigerante. O dito turista terá achado que o melhor local para abrir a lata de sumo seria dentro do monumento, considerado desde 1983 Património Cultural da Humanidade. Ao abri-la, a bebida com gás acabou por cair no chão. Um ataque ao património, sustenta Fernando Rosa, que para ser combatido precisa de maior vigilância e avisos, mas não de multas. "Na minha opinião as multas não são uma solução sustentável, principalmente nos tempos que correm. Mas existe, de facto, um desrespeito que deve ser combatido."

Já para Fernando Jorge, um dos membros do Movimento Cidadania Lisboa, mais do que proteger o património de migalhas ou pingos de bebidas, é a proliferação de resíduos de lixo na cidade que o preocupa, especialmente na zona do Bairro Alto e Castelo de São Jorge. Também para Fernando Jorge "a solução nunca está em multar as pessoas", recordando algumas das suas experiências no estrangeiro, sugerindo-as como alternativas. "Há uns anos atrás, quando fui a Barcelona, deram-me uma brochura, já não sei se era da câmara ou do turismo, que incentivava a ter comportamentos responsáveis e eu achei o projecto muito interessante", partilha Fernando Jorge. Defende por isso uma aposta em "campanhas de sensibilização com turistas, em locais estratégicos como o aeroporto". Dentro deste universo é ainda possível restringir o público-alvo, "principalmente a tripulantes em regimes de low cost que têm hábitos de sair à noite e que deixam lixo nas ruas, em praças e jardins", diz.

António Rosa de Carvalho, também membro do Movimento Cidadania Lisboa, concorda com esta opinião e acrescenta que o problema não é falta de legislação, mas aquela que existe não ser clara. Itália tem uma sobrecarga de turistas brutal e constante e por isso tem de responder a esta procura, mas Lisboa tem outro tipo de problemas, comenta. "Há vários aspectos de sobrecarga em termos de higiene", afirma, destacando os exemplos do Largo Camões e de São Pedro de Alcântara, zonas limítrofes ao Bairro Alto, um dos pólos mais movimentados na noite lisboeta. "Há uma subcultura que deixa as suas marcas nos espaços, garrafas, copos, muitos dos objectos partidos", enumera, deixando os espaços sujos e o chão pegajoso, como é o caso das escadas à volta da estátua de Camões, no largo a que dá nome. "Lisboa precisa deste movimento nocturno, isto compreende-se, até um certo ponto de equilíbrio", diz. Acrescenta que esta sujidade é prejudicial para a imagem da cidade e que cabe à câmara ter um papel pedagógico e tomar atitudes.

"Os problemas estão detectados, mas a câmara ou não reage ou fá-lo com uma resposta de três ou quatro linhas. Ficamos sem saber o efeito das queixas. A resposta apenas nos informa que a queixa foi recebida e encaminhada", queixa-se António Rosa de Carvalho. "Quando a própria câmara não faz aquilo que é pedido, os próprios cidadãos não têm capacidade de cumprir", aponta António Rosa de Carvalho, queixando-se de falta de coerência e clareza. "Há falta de regras na utilização do espaço público", comenta. Para António Rosa de Carvalho, a autarquia sente-se inibida, incapaz de legislar de uma forma mais rigorosa. "Como é que eu posso responder à lei, se a própria câmara não me dá respostas aos problemas registados?", pergunta, destacando também os casos de lotação de estacionamento na zona da Sé de Lisboa, com autocarros turísticos a obstruírem a rua e os passeios.

António Rosa de Carvalho diz-se a favor de regras, pois crê que só elas podem levar as pessoas a aceitarem e mudarem e sugere uma medida de padronização para combater o lixo urbano: "As pessoas usam sacos de plástico das superfícies comerciais, o que não é o mais indicado e por isso há uma maior propagação de cheiros."

Apesar do papel das autarquias, considera serem dois os protagonistas: a câmara, que deve agir com uma política clara, e o próprio público, que deve ser disciplinado. "O contrário é inaceitável em Roma e tem de o ser em Lisboa também", diz António Rosa de Carvalho.»

1 comentário:

Anónimo disse...

O que se pretende com as ambiguidades?
Mais gastos feitos pelas autarquias para corrigir a falta de civismo e os vandalismos?
De onde vem o dinheiro?
Respondam senhores autarcas.
São estas ambiguidades que vão agravando a crise e tornando o Estado mais policial.
Não é multando o infractor que estamos a coartar as liberdades e abrir portas à nova pide.
Quem conspurca e vandaliza tem que que pagar a limpeza.
Se não tiver dinheiro para pagar é condenado a trabalho cívico para a comunidade.
Haja reflexão.