29/04/2012

Diário do sempre jovem arquitecto de Lisboa reedita antigas polémicas




Por Carlos Filipe in Público

Textos e artigos na imprensa escritos por Nuno Teotónio Pereira reeditados em livro pela Câmara de Lisboa


"Lisboa é a mais bela capital da Europa", sintetiza um dos seus apaixonados, também um dos seus críticos, enquanto arquitecto para as pessoas que nela vivem. Assegura que sempre foi um dos seus fiéis caminhantes, saudosista de sítios e costumes, também um defensor da reabilitação. Assim se diz Nuno Teotónio Pereira (Lisboa, 1922), que nunca se coibiu de apontar as coisas boas, más e péssimas. Lisboa, Temas e Polémicas, que foi alinhavando nas páginas dos jornais como um diário de reflexões, entre 1964 e 2007, foram agora reditadas em livro pela Câmara de Lisboa.
Extraídas do Diário Popular, do Diário de Notícias, do Expresso, uma grande parte do PÚBLICO, algumas inéditas, as notas de reflexão sobre a cidade, o seu urbanismo e arquitectura podem bem ser lidas como uma peregrinação de olisipógrafo, "que olha para além das pedras do percurso, que se estende às pessoas e cartografa sítios e problemas", como escreveu no prefácio o também arquitecto Francisco Silva Dias.
"É um amigo e é uma dádiva à cidade, de quem muito contribuiu para a qualidade arquitectónica e urbanística de Lisboa", sintetizou o presidente da câmara, António Costa, na sessão de lançamento, sexta-feira, na biblioteca municipal do Palácio Galveias, precisamente 38 anos depois de ter sido resgatado ao presídio político em Caxias.
"Estou entusiasmado com o plano de acção desta câmara", largara antes Nuno Teotónio Pereira. Mas dizem os textos agora republicados que nem sempre foi assim o seu entendimento com os decisores da cidade. Sempre foi crítico, mas construtivo, ou com a virtude de implícito conselho, como o expressou em 1964, em resposta a inquérito do Diário Popular sobre o prolongamento da Avenida da Liberdade. Ponderava-se uma solução rectilínea, em túnel aberto escavado pelo Parque Eduardo VII acima, e em sua opinião indesejável, pois não só "não valorizaria a zona verde constituída pelo parque", como "mostraria uma bocarra de túnel encaixada entre taludes, desagradável", sublinhando dúvidas sobre o facto de ter sido tomada tal decisão [que ficou pelas intenções], quando ainda estava em estudo o Plano Director da cidade.
O arquitecto lutou também na clandestinidade contra o desalojamento de milhares de famílias do Vale de Alcântara, que dariam má fama e imagem à entrada pela então Ponte Salazar. A censura actuou, e assim nasceram os bairros do Camboja e de Chelas. Apontou na Seara Nova (1970) como "nódoa de Lisboa" a proliferação de bairros de barracas, em 1979 (Diário Popular), identificou o bom, o mau e o péssimo - a falta de casas e o enriquecimento de alguns à custa de condições infra-humanas de muitos, os despejos em massa, a construção clandestina, ou a falta de apoio às cooperativas.
Também se expressou muito crítico a respeito do Saldanha, onde foi destruído património (mais tarde disse o mesmo da Duque de Loulé) e o generoso estímulo ao sector empresarial (Cadernos Municipais, 1982). Com grande antecipação (1989), em artigo não publicado, pronunciava-se por uma cidade feita a partir do caos, na zona oriental, imaginando grandes complexos de lazer, desportivo, náutico, sugerindo concurso de projectos.
Com o surgimento do PÚBLICO, em 1990, iniciou uma profícua colaboração, começando por reflectir sobre a modernização de Lisboa, subordinando-a ao respeito pelos seus mais elementares valores: o relevo das colinas, o rio, contra as torres mastodônticas. Elaborou sobre os desafios para o Chiado, a Expo-98, os prémios Valmor e a "medíocre arquitectura de Lisboa", lamentou (2001) a falta de um elevador para o Castelo, pugnou pela reabilitação dos bairros históricos, contra a destruição das vilas operárias, contra os ministérios no Terreiro do Paço e o atropelo ao Jardim Botânico a partir do Parque Mayer.
"As outras capitais estão implantadas em planícies, cortadas pelos rios. Têm belos monumentos, mas são monótonas, não têm colinas. Lisboa é diferente. É ímpar", diz Nuno Teotónio Pereira, de 90 anos, o arquitecto sempre jovem que escreveu sobre a cidade-mulher, segundo Francisco Silva Dias.

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