07/08/2011

Chega Zé


Chegado por e-mail:

«Aproveitando uma tarde livre deste verão ventoso, decidi-me a passear pela nossa cidade. Eis quando senão, incrédulo, me deparo com a destruição urbanística, histórica e estética da Avenida da Liberdade. À minha frente, a curta distância, um pai, espanhol, de mão dada com o filho, na casa dos dez anos de idade. O pai teceu, em tom de desacordo, o seguinte comentário :-“Hacen lo tonto!”, ao que o f...ilho respondeu :-“Y gastan dinero!”. Nada mais certo.
Como pode uma câmara municipal como a da capital, deficitária, cheia de dívidas, dar-se a um luxo destes de desperdiçar dinheiros dos seus munícipes numa aventura tonta, fruto da (ir)responsabilidade dos espaços verdes. E que não é, nem de perto nem de longe inconsequente, como o têm sido todas as suas destruidoras intervenções nestes espaços dentro da cidade. A Avenida da Liberdade parece uma feira popular em fim de carreira. Como se pode fazer uma intervenção destas num espaço nobre e histórico da cidade levianamente?!.... onde estamos? Que regime é este que governa a nossa CML agora que a tudo se permite sem atender aos interesses maiores da cidade e dos seus cidadãos?!...
Tive a sorte de ter por docente no meu curso de engenharia urbana, em Paris, a emérita Françoise Choay, que muito me ensinou sobre a defesa do património, nomeadamente em espaços urbanos. Aprendi com ela o respeito e a preservação dos espaços antigos, sobre a conservação da memória colectiva e histórica da cidade. Sobre regulamentos jurídicos necessários à sua preservação e requalificação, normas de intervenção nestes espaços, impactos visuais e arquitectónicos, entre muitas outras coisas. Sendo a Avenida da Liberdade, a par de outras artérias na cidade, um dos eixos nobres, simbólicos, históricos e determinantes da cultura urbana de Lisboa, qualquer intervenção nesta deve ser acautelada e sobejamente estudada e analisada antes de qualquer acção.
O actual responsável pelos espaços verdes tem, sistematicamente, destruído o património histórico e contextual destes espaços da cidade. As suas intervenções, do género tábua rasa, são atentatórias duma cultura que prima pela preservação da memória dos espaços e pela própria história da cidade. O Jardim do Príncipe Real numa tentativa falhada de tulherização do espaço, esquecendo que Lisboa é uma cidade muito mais ventosa que Paris, e não tirando as devidas consequências da sua intervenção. Depois, a mania de animação forçada dos espaços verdes, como se estes estivessem definitivamente votados a perderem a sua vocação de espaços de serenidade, tranquilidade e lazer silencioso. Multiplicam-se os bares e os quiosques à la haussman, como se isso fosse mais Lisboa, inundam-se os parques de música e caixotes de lixo (geralmente cheios e por despejar), abatem-se indiscriminadamente árvores cheias de vida, de idade e de histórias, plantam-se algumas, numericamente inferiores às abatidas, sempre, rearranjam-se calçadas, passeios, desaparecem sebes, muretes, grades em ferro forjado, apaga-se memória histórica da cidade em prol de uma mentalidade pequena e medíocre de proliferação de jardins num só estilo (e mau por sinal), numa cópia rude e aleatória dos jardins da antiga zona da Expo. O caso do Jardim da Praça de Londres é neste domínio paradigmático. Esqueceu o responsável pelos espaços verdes e os seus acólitos arquitectos e técnicos, do contexto da sua criação e da sua função. Faria da Costa quando decide estabelecer no plano de Alvalade uma conexão entre este e a cidade antiga, define um eixo central que divide o plano em dois tornando-se numa das avenidas mais cosmopolitas da cidade: a Avenida de Roma. Nos seus extremos, face à sua importância, havia que trabalhar com elementos dignos que material e simbolicamente atestassem a nova forma de fazer e de ser cidade. Arquitectos de prestígio, como Cassiano Branco, entre muitos outros, são chamados para assinarem os primeiros arranha-céus da cidade por forma a assinalarem física, estética e visualmente a nova cidade. O Jardim da Praça de Londres, foi desenhado e criado no pressuposto do alinhamento dos três eixos que nele confinam: a avenida ascendente Manuel da Maia, a descendente Guerra Junqueiro, e a cosmopolitana avenida de Roma. A sua função não era tanto a de jardim de lazer mas de um marco de separação verde do tráfego que nela confluísse, uma vez que os espaços verdes de lazer seriam colocados nas zonas adjacentes da própria praça e nos dois jardins anexos à paróquia de São João de Deus. A criação de sebes altas e de determinado tipo de árvores pretendiam dar um ar de transbordância verde àquela ilha. Tudo isso foi, irresponsável, ineficaz e ineficientemente destruído com a intervenção feita recentemente pelos espaços verdes da CML. Utilizam a argumentação do desleixo e da falta de conservação a que estavam vetados estes espaços. Pois seria precisamente a sua obrigação recuperá-los devidamente, não atentar à sua identidade e enquadramento urbanístico e histórico. Poder-se-iam referir muitos mais casos atentatórios e sancionáveis, casos do Jardim do Torel, do Jardim Fernando Pessa, da Praça do Campo Pequeno (que ainda não se percebe se é um jardim de espaços verdes ou de efeitos de luz), da Praça Afrânio Peixoto, do Jardim Cesário Verde (praça da Ilha do Faial), do Jardim Constantino, da Praça José Fontana. Este responsável pelos espaços verdes da capital conseguiu o insólito em acabar, de uma vez por todas, com a maioria dos jardins românticos de Lisboa, com o seu desenho original, com as suas espécies originais, com a sua forma e propósitos originais. Aquilo que nas metrópoles civilizadas actuais é altamente preservado e conservado, admirado e apreciado, é nesta capital destruído indiscriminadamente em prol de uma intervenção bárbara e inconsequente, que visa tão somente mostrar serviço e impor o ponto de vista do seu promotor, que é medíocre. Por favor recuperem a Avenida da Liberdade ao seu estado original e deixem de gastar o nosso dinheiro com estas avassaladoras aventuras. Da Lisboa romântica pouco resta, além do desenho urbano de Ressano Garcia e de meia dúzia de imóveis ainda não esventrados e alteados, foram-se com estas intervenções a grande maioria dos seus jardins. O mesmo se passa com os jardins do Estado Novo (que se prepare o Parque Eduardo VII, que nesta ânsia insaciável estará próxima nova intervenção). Chega Zé!!! Pedro Gomez»

18 comentários:

Jorge Pinto disse...

O Zé é, sem qualquer dúvida, o responsável político do estado de coisas a que chegamos, mas não nos devemos esquecer que quem faz os projectos - alguns dos quais elogiados por insuspeitas figuras da nossa praça - não é o Zé.
Não será altura de pedir também responsabilidades a esses infelizes 'jardineiros paisagistas'?

Anónimo disse...

Há dias coloquei este comentário: "Para quando contratar um assessor especializado em bruxaria, superstições e outras artes ocultas para ajudar a inventar distracções na CML? Não seria mais útil a empresa de tintas patrocinar o restauro de algumas fachadas de monumentos ou limpar os "grafitados" se também produzir produtos adequados? O que é que o "fengshui" tem a ver com Lisboa?"
Hoje, corroboro e reforço o comentário de Paulo Ferrero. A chamada recuperação de jardins de Lisboa nada mais tem sido do que fazer "jardins de pedra", isto é, pouco ou nenhum verde e muita pedra e gravilha. Quanto a iluminação, basta ver os crimes da Praça do Comércio e do Campo Pequeno. Praças dos séculos XVIII e XIX com candeeiros "futuristas", tipo canudo, para não ser mais vernáculo. A Av. da Liberdade está uma aberração! Cuidem dos jardins e da limpeza e deixem-se de chinesices!

José H. Ferreira

Rodrigo disse...

simplesmente horrível, e quando vai custar por tudo de novo correcto, mesmo que tenha sido pago por terceiros, esses podiam ter pago a plantação de algumas árvores - muito esta câmara detesta árvores - ou tapado uns buracos, o levantar umas passadeiras.

Anónimo disse...

Isto é obra da campanha "Dyrup", com o seu "Feng Shui" mas claro com anuência da Câmara Municipal...

Anónimo disse...

Não posso estar mais em acordo!
O que me faz confusão é que este texto (ou o princípio) podia ter sido escrito/defendido pelo Zé há 10 anos atrás.
O que se passa quando para o poder se vai?
Parece que o raciocínio se tolda, e que alguma força oculta impõe sempre a mediocridade!
Parabéns pelo óptimo texto.

Pedro

Anónimo disse...

acho que está a exagerar. Por exemplo, 90% da calçada devia ser substituida por pavimentos mais confortáveis. os quiosques, exceptuando os da Av. Liberdade, tem sido um tremendo sucesso, além da beleza do seu desenho.

BRUXA disse...

PALHACADAS!!!!!!!!!!(Sem querer ofender os palhacos!)

Rui Cláudio Dias disse...

Realmente uma palhaçada fora do circo... Lisboa cada vez mais está sem piada. Concordo com tudo o que é dito. Malvadas pinturas, malvadas esplanadas na avenida que parecem circos até ás tantas da noite, malvados eventos nos jardims que só trazem povo dos suburbios para destruir o pouco que a cidade ainda tem.

Alves disse...

Os bancos estão giros e vçs parecem os velhotes dos marretas.

Anónimo disse...

caro autor,

muito bem, mas passe do activismo de poltrona a algo com mais impacto e esteja presente nas proximas eleicoes e eu garanto o meu voto. ou faca algo mais simples como tornar-se acessor do ze para com a sua visao ajudar a mudar as coisas. mas a verdade e que o ze faz o melhor que pode e que sabe...

Gonçalo Poças disse...

Uma palhaçada!
Nada mais a dizer...

Peão Indignado disse...

Quanto dinheiro pela porta do cavalo terá passado para a CML dar o aval a esta iniciativa da Dyrup?

Anónimo disse...

Não conheço nenhum dos comentadores anteriores. Respeito as suas opiniões, naturalmente. Gosto demasiado da minha cidade para ficar indiferente às atrocidades que se cometem. Quanto à calçada, tão atacada hoje,a questão parece-me residir no abandono da profissão de calceteiro, com fortes tradições na região de Alpalhão, segundo me consta. Hoje recorre-se à mão-de-obra africana e de países do leste europeu, sem que lhes seja facultada formação em termos de talhe da pedra. Resultado, sai uma má qualidade de calcetamento. Aliás,o mesmo se passa com os jardins. A CML entregou os jardins a empresas em regime de outsourcing, acabando com a escola de jardineiros camarários. Vejam-se os canteiros da Praça do Império, em Belém. Os brasões de armas dos distritos de Portugal e das então Províncias Ultramarinas, nas suas cores, em flores naturais, hoje resumem-se a umas vagas caricaturas, em verde, que nada representam. Poupa-se uns tostões, é certo, mas perde-se a diginidade de uma cidade, que podia render mais em termos de beleza e de atracção turística. Os chamados modernistas acharão que são "velharias", mas as cidades, tal como as pessoas, não devem renegar o seu passado. Cada época deve deixar o seu testemunho. Quanto a eleições para substituir quem "vai estando", a experiência ensina-nos que, na prática, a teoria é outra!
José H. Ferreira

Anónimo disse...

Andas a fumar do que faz rir?

Arq. Luís Marques da silva disse...

E na sequência do que aqui está escrito e que subscrevo na íntegra, tenho que referir que numa entrevista dada recentemente a um jornal, um responsável de uma coorporação da nossa praça, vem a lume defender o conceito de regeneração urbana, fazendo tábua raza dos "ultrapassados" conceitos de reabilitação e restauro.
Até por aí se vê que tipo de intelectos "modernaços", no actual contexto, ditam as regras que, na ânsia de não serem equiparados aos estúpidos cortesãos que por deficiência congénita, não conseguem vislumbrar as reais vestes do rei, os políticos responsáveis por estas matérias, seguem escrupulosamente.

Anónimo disse...

e a barraca das farturas,onde fica?
é que não a vejo...

Anónimo disse...

Mas é que chega, chega, chega. É inacreditável, desde os grafitti nas fachadas de exemplares maiores do séc. XIX das Avenidas Novas até a pintalgar a Avenida ninguém se mostrou indignado. Alguém leve esta cambada de energúmenos para bem longe...
Em Coimbra a Juventude Comunista pintou as Monumentais e a cidade em peso mexeu-se e obrigou-os à limpeza do que tinham pintado, espero que por cá aconteça o mesmo, marcarei presença com certeza!

Anónimo disse...

"Não posso estar mais em acordo!
O que me faz confusão é que este texto (ou o princípio) podia ter sido escrito/defendido pelo Zé há 10 anos atrás".

Pois...