27/06/2011

"Para quem trabalha, é mais prestigiante o centro comercial do que a loja de rua"




"Para quem trabalha, é mais prestigiante o centro comercial do que a loja de rua" Por Ana Rute Silva in Publico

Auferir mais do que 1190 euros é uma excepção nos centros comerciais. Ainda assim, revela um estudo, os shoppings são encarados pelos trabalhadores como um porto seguro

Alexandra Cruz, investigadora no Instituto de Sociologia da Universidade do Porto, entrevistou um grupo de trabalhadores de centros comerciais e encontrou uma diversidade de perfis. Apesar dos turnos laborais, os fins-de-semana de trabalho e a ausência de luz natural, os portugueses preferem trabalhar num shopping, em detrimento do comércio de rua.

O trabalho nos centros comerciais é visto como mal pago, precário e pouco prestigiante. Foi esta a conclusão a que chegou?

O meu trabalho incluiu os oito maiores centros comerciais da Área Metropolitana do Porto e é um estudo que incidiu sobre as lojas de restauração e vestuário. O universo das outras lojas é muito distinto. Em termos de baixos salários, é visível. Por exemplo, a remuneração oscila entre os 150 euros para um trabalho a tempo parcial e os 1190 euros para um horário a tempo completo. Do meu universo de entrevistados, composto por 60 pessoas (e por isso não é estatisticamente representativo da realidade nacional), 65 por cento auferia entre 150 e 560 euros. Atendendo a que uma grande maioria trabalha a tempo completo (60 por cento), o salário é baixo e não excede muito o ordenado mínimo.

Os salários baixos derivam de falta de qualificação profissional?

Ao contrário do que se pensa, não. Encontrei muitos trabalhadores licenciados. Tem a ver com a natureza da actividade de trabalho. São tarefas muito simples, em termos globais. Mesmo um indivíduo que se apresente para trabalhar numa loja de restauração e seja licenciado, nunca vai auferir mais do que 1190 euros e este limite máximo é característico de pessoas com cargos de chefia na loja e com muitos anos de experiência. Este salário é uma excepção.

A qualificação não é decisiva para quem recruta?

Não. Quando perguntava que requisitos tinham sido pedidos na hora do recrutamento, os entrevistados referiram que não há exigências escolares ou profissionais. Não se exige ter, por exemplo, experiência no ramo da restauração, ou alguma qualificação escolar. Isso é muito evidente no caso de algumas empresas de restauração, que preferem que as pessoas que empregam não tenham qualquer tipo de experiência, para serem moldados de acordo com o princípio da marca.

Quem estuda encara este emprego como temporário?

Sim, para os trabalhadores-estudantes, é uma fase transitória. Por isso olham para questões como o ritmo ou as condições de trabalho como algo temporário. Quem trabalha a tempo inteiro já vê os baixos salários e aos horários de trabalho de forma diferente.

São trabalhadores felizes?

Os trabalhadores-estudantes, sim, constroem redes de amizade e o trabalho é uma fonte de satisfação. Para quem trabalha a tempo completo, é diferente. Já estão há mais tempo naquele contexto, acusam cansaço. E o principal motivo de insatisfação é o horário.

Que impacto é que os horários têm na vida dos trabalhadores? Um centro comercial está aberto cerca de 14 horas por dia.

Para os estudantes, são uma oportunidade de conciliar o trabalho com a universidade. Para os restantes, é muito penoso. Há um turno da manhã, da tarde e da noite e todos têm de assegurar esses turnos. Todos trabalham ao fim-de-semana, é obrigatório. Isto causa enorme perturbação nos ritmos de vida. Normalmente na restauração só têm uma folga. Quando têm duas folgas, raramente são as duas seguidas. Os trabalhadores que estão neste sector há muitos anos vão-se habituando, embora não lhes agrade. E vão-se habituando também devido ao vínculo contratual.

Se tiverem outra oportunidade, estão dispostos a mudar?

Tendo em conta a amostra, as pessoas que estão há mais de cinco anos neste trabalho só mudam se for uma oportunidade muito específica. Os centros comerciais são uma realidade relativamente recente em Portugal. Ainda há mercado. O que as pessoas me diziam é que, mesmo que o centro comercial não esteja bem, a marca tem outras lojas. Os centros comerciais não fecham, ao contrário do que sucede noutros sectores, como a indústria.

Ou seja, oferecem segurança?

Do ponto de vista contratual, sim. Mas há uma outra realidade que importa referir. Distingo dois tipos de precariedade: a precariedade objectiva - que tem a ver com a natureza do vínculo contratual - e a precariedade profissional subjectiva, que remete para as condições de exercício do trabalho. Aqui a realidade é diferente. Refiro-me aos horários de trabalho, o ritmo de trabalho, as condições físicas do trabalho...

Pode concretizar?

Por exemplo, o mobiliário existente nas lojas de restauração. As pessoas não têm sítio onde se sentar ao longo do dia. Não há cadeiras, nem mesas para descansar. A configuração da loja é pensada em função do cliente e não dos trabalhadores. Para além disso, a privação da luz natural, a temperatura da loja (que aumenta devido à iluminação)... Esta é a precariedade subjectiva, mais difícil de avaliar.

O sector preocupa-se pouco com os trabalhadores?

Está mais focado no cliente. Daí o perfil etário ser muito jovem. Conseguem aguentar melhor a pressão, não têm compromissos familiares, nem parentais.

Quando vamos a uma loja, raramente vemos pessoas com mais de 40 anos.

A minha percepção é que nos cargos de chefia o nível etário é mais elevado. São pessoas que acompanharam o crescimento em massa dos centros comerciais em meados dos anos 90. Teremos de aguardar mais cinco, dez anos para perceber a evolução. Mas claramente no momento do recrutamento a questão da idade é crucial. Na restauração encontramos pessoas mais velhas, e, no caso do fast food, na cozinha, na parte de trás. No vestuário, encontrei trabalhadores com 29 anos que se achavam velhos para o perfil maioritário da loja.

O centro comercial alterou o perfil dos trabalhadores do comércio. O que vai suceder nos próximos anos, que se prevêem de estagnação neste sector?

Dado o flagelo do desemprego, as pessoas encontram formas de trabalhar. A escolaridade destes trabalhadores vai aumentar e vamos encontrar cada vez mais licenciados, isso vai ser banal.

As pessoas que entrevistou preferem trabalhar num centro comercial em vez de no comércio de rua?

Claramente. Para a minha amostra, é mais prestigiante estar num centro comercial do que numa loja de rua. Estou a fazer um trabalho sobre outros grupos profissionais dentro dos centros comerciais - como a limpeza e a segurança - e uma empregada de limpeza dizia-me que preferia trabalhar num centro comercial porque havia pessoas bonitas, uma decoração agradável e ela, que já tinha trabalhado em hospitais, sentia-se melhor.

2 comentários:

Ricardo disse...

Tristeza... Dizem loja de Rua como se fosse um sítio onde só vão vagabundos, drogados, bêbados, entre outros marginais...
Eu adorava trabalhar numa Loja Tradicional, mas visto que estão todas a fechar a favor dos centros comerciais que são todos iguais uns aos outros, não sei não...

"uma empregada de limpeza dizia-me que preferia trabalhar num centro comercial porque havia pessoas bonitas, uma decoração agradável"

Ó seja as tais Lojas de Rua aka Comércio tradicional, é só feiosos e decoração típica de uma loja Tradicional Portuguesa que já tem vários anos de História, é pior que uma decoração feita com coisas de fora....
Este País e o seu povo vai bem vai...

Xico205 disse...

Cada um sabe do prato donde come. Tens tanto direito de criticar o gosto dos outros como eles têm de criticar o teu. No fim vai-se a ver quem tem razão e cada um tem a sua. Conclusão: quanto a gostos não há verdades absolutas.