20/06/2011

Intendente. O que mudou no largo desde que António Costa foi para lá

In Público (19/6/2011)
Cláudia Sobral (texto) e Joana Freitas (fotografia)


«A Câmara de Lisboa quer dar uma nova cara a uma zona mal reputada da cidade. Está a conseguir. De Santana a Costa, o largo já mudou muito. Tudo o que está à volta também. E nem sempre para melhor.

O Largo do Intendente Pina Manique, em Lisboa, é um deserto. Seja a que hora for. Do Sport Clube Intendente, num dos edifícios mais velhos, meio ocupado, meio devoluto, Manuel Conceição, que há 50 anos frequenta o espaço, resume o que tem visto daquela janela para o Intendente com um pesado afastar de braços - como se arrastasse problemas - em direcção às ruas que desembocam nos extremos do largo, a dos Anjos e a do Benformoso. "Os marginais encostaram para ali, para ali, ao Jardim da Igreja dos Anjos e pronto."

Encostaram, porque o presidente da Câmara de Lisboa chegou ao Intendente e a gente agora é outra. Já não é o largo da droga e da prostituição, é também de pessoas como aquele senhor que chega engravatado, vespa azul, que deixa no estacionamento para bicicletas recém-criado junto à antiga fábrica de cerâmicas Viúva Lamego, reabilitada para acolher o novo gabinete de António Costa (PS).

O largo esvaziou-se de quase tudo o que lá havia e já não é o mesmo. Mas por onde anda quem aqui parava? Não se sabe de todos. Instituições que trabalham com grupos de risco na Mouraria e na Avenida Almirante Reis e presidentes de junta estão preocupadas com a fragmentação de fenómenos como o tráfico e consumo de droga e a prostituição. "É empurrar o problema para dois quarteirões acima, em vez de o resolver", diz o presidente da junta dos Anjos, João Mourato Grave (PSD).

Antes de António Costa também já havia mais polícia, rusgas, já a empresa transportadora com camionetas aqui estacionadas tinha saído (contam-se muitas histórias de como se passava "de tudo" entre aquelas camionetas). Já muitos bares, como os poucos que sobram na Rua dos Anjos, tinham fechado, já a pensão do n.° 19 tinha desaparecido.

Permanecem alguns resistentes, como Cristina (nome fictício), 47 anos, que conhece o largo como a palma da sua mão. Na boca da Rua dos Anjos, já não balanceia as ancas para cá e para lá, para chamar a atenção dos homens, como fazem outras mais novas à entrada da Rua do Benformoso. O largo não é o mesmo. "Dantes, era eu chavalinha, fazia-se muito dinheiro, dava para se encher a casa de comer." Antes de "o Santana ter estragado tudo, quando tirou as camionetas", havia muitos bares com mulheres. "Pegavam-nos na mão para ir para o quarto." Agora faz uma visita e pode passar sete ou oito dias até que consiga outra - e há dias em que tem de ir a pé para casa, em Chelas. Já não dá para comer, mas Cristina não quebra e continua aqui. Dia e noite, a ver se ainda aparece algum amigo. A Obra Social das Irmãs Oblatas, que presta apoio a prostitutas, não disponibiliza os números que recolheu no terreno, mas adianta que o aumento do policiamento "teve como consequência uma alteração da dinâmica de bairro" e que a prostituição que havia no Intendente se tem dispersado para o Cais do Sodré, Restelo, Instituto Superior Técnico e a Rua da Artilharia 1.

"Para debaixo do tapete"

Muito perto do largo, a 300 metros, fica a Igreja dos Anjos, no meio de um jardim que tem sido casa de vários sem-abrigo. São 15h e quem a contorna encontra nas traseiras perto de 30 pessoas numa sala de chuto a céu aberto. O cheiro é intenso, a confusão e o lixo maiores ainda. Todos os dias juntam-se aqui dezenas: os sem-abrigo, mais os traficantes e os consumidores de drogas. É aqui a porta para os escuteiros e a catequese.

O padre Rocha, que chegou à paróquia há quatro anos e os frequentadores do jardim mais assíduos já conhecem bem, garante que há dias em que se juntam 60 pessoas e que se têm visto muitas caras novas ultimamente. "As pessoas [que vivem na rua por trás da igreja] preferem vir à volta a passar por ali." 15h30, desapareceram. "Devem tê-los avisado que vinha a polícia." No final de 2003, o PS, então na oposição na Câmara de Lisboa, visitou o mesmo lugar para denunciar a "política show-off e de mandar lixo para debaixo da carpete": se havia toxicodependentes a desaparecer do Largo do Intendente, junto à igreja juntavam-se cada vez mais. Agora há quem acuse António Costa do mesmo. "Isto é varrer o lixo para baixo do tapete. Ninguém vai para as ruelas, ninguém vai para a calçadas - os turistas não vão", diz o presidente da Junta da Graça, Paulo Quadrado (PSD). "Não digo que aquilo que foi feito no Intendente foi mal feito. Deu-se dignidade ao largo, ele precisava", reconhece. "Mas quando se pensa na cidade, tem de se pensar nela como um todo e não de forma estanque."

O Programa de Acção Mouraria, que prevê a requalificação do Intendente e de uma área que se estende até ao Martim Moniz, inclui, a par da intervenção nos prédios, algumas intervenções sociais através do Plano de Desenvolvimento Social da Mouraria, que tem como parceiras as juntas de freguesia. Porém, na opinião de João Mourato Grave, este plano "tem pecado pela morosidade na apresentação de propostas concretas, de conclusões". Para além disso, critica, não se terá acautelado a transferência das situações mais problemáticas "para as zonas adjacentes". Agora, as medidas "terão de ser tomadas de forma reactiva".

A Câmara de Lisboa dispõe de dados sobre a toxicodependência e a prostituição na Mouraria, recolhidos para o Plano de Desenvolvimento Social da Mouraria. Pedimos esses dados, mas não foram revelados por o documento estar em fase de revisão. Outras instituições com equipas que trabalham nesta área da capital têm números que são esclarecedores. Uma instituição que presta apoio a toxicodependentes em toda a cidade, a Crescer na Maior, intervém no Intendente desde 2003 e identificou, em meio ano, 389 toxicodependentes nos Anjos e no Socorro. Esse número baixou para 300 em 2004, para 206 em 2007 e vai em 80 (dados de Maio deste ano).

Ainda há medo de sair

A coordenadora dos projectos nacionais dos Médicos do Mundo, Carla Fernandes, compara o cenário actual com o de há um ano: "Há um ano, tínhamos por noite dez a 15 utilizadores de drogas a trocar seringas. Neste momento temos dois. Em relação a trabalhadores sexuais, cinco a seis iam recorrentemente recolher preservativos e agora temos duas." Adverte, porém, que não se pode estabelecer uma relação de causa-efeito com a mudança de António Costa para a Mouraria, até porque esta redução se tem verificado em toda a cidade de Lisboa.

Américo Nave, da Crescer na Maior, está preocupado com esta dispersão dentro do próprio bairro, que está a dificultar o trabalho com os grupos de risco. "Encontramos os utentes na zona da Mouraria, mas em becos, lugares mais escondidos, o que torna o consumo mais perigoso: em locais mais isolados, se há um problema, ninguém os socorre", conta. "Temos de estar sempre a perguntar onde é que agora estão, depois vamos lá, não estão e ficamos preocupados. Fico sempre a pensar: será que vão recorrer a seringas usadas?"

O Intendente está diferente, mas ainda há quem tenha medo de sair à rua depois das 18h. Carlos Alberto Galheiros vive na Rua da Bombarda, logo acima do largo, e é por ali que passa os dias. Demonstra e repete os golpes de artes marciais que aprendeu durante 40 anos e diz que com alguns desses golpes "uma pessoa fica no chão, não se levanta mais". Para não correr riscos, nunca sai à rua depois das 18h, que a noite começa a cair e o perigo aumenta, especialmente nas ruas à volta do largo onde, diz, a insegurança aumentou desde que o largo ficou "limpo e cristalino".

Mais acima, na Rua do Terreirinho, no Socorro, fica o café de Dona Isilda, que também desce muitas vezes ao Intendente. "As pessoas é que meteram na cabeça que o Intendente é perigoso", diz Dona Isilda, bata azul e garfo de fritar rissóis na mão. Nem ela nem o marido, João Duarte, foram alguma vez assaltados. Nem nos tempos em que o largo teve pior fama - porque agora também "já não é aquela porcaria que era dantes". Segundo alguns presidentes de junta, a deslocação da toxicodependência para as proximidades do Intendente tem aumentado a insegurança nas suas freguesias. "O Intendente pode estar em melhores condições, mas toda aquela rede de tráfico e toxicodependência tem subido para as ruas", sustenta Paulo Quadrado. "Os roubos têm aumentado significativamente no Caracol da Graça, uma zona problemática, até porque os turistas têm tendência para fazer esse percurso."

Outra esperança

Já a presidente da Junta do Socorro, Maria João Correia (PS), garante que, na sua freguesia, "os problemas são os mesmos de sempre". "Isto foi uma coisa muito trabalhada: enquanto autarcas, fomos tendo várias reuniões de preparação, estávamos todos atentos ao deslocar desta problemática, mas as coisas foram-se diluindo com o tempo, isto foi paulatinamente acontecendo e aqui não se sentiu uma deslocação maciça", argumenta. "A vinda do presidente foi positiva, porque trouxe outras pessoas a estas ruas, outra vida, outra visibilidade, outra esperança. Começou-se a falar do Intendente e na Mouraria como uma coisa boa."

Uma daquelas ruas nos extremos do largo, a Rua dos Anjos, é um lugar para onde já não se vê das janelas da Viúva Lamego. A festa começa ainda o sol não se pôs. Um grupo de homens joga dados numa roda grande, que ocupa a estrada, ouve-se kizomba de um dos poucos bares que restam - só sobraram os daqui. Há mulheres, poucas, mas discretas, que aqui não gostam de ser como são noutros lugares em Lisboa. Estes homens que jogam e conversam na rua continuam a vir, sempre vieram, desde o tempo das camionetas. Veio a polícia, veio o presidente, continua a haver bares, a haver mulheres. Esta rua é o último reduto daquilo que foi o Intendente.»

5 comentários:

Anónimo disse...

Porreiro, pá.

O submundo que por lá andava e podia ser controlado, espalhou-se por toda a cidade e deixou de o poder ser.

Parabéns, ó Costa, rico serviço.

Miguel disse...

desculpem mas um comentário como o do Xico não pode ser aceite nem aprovado num blog destes

Anónimo disse...

Anónimo,

é porreiro, pá, que o costa tenha feito qualquer coisa por quem mora na zona. não deve viver pertto do largo pois se fosse, nao criticava o trabalho do costa. Ajudou os moradores da zona mas claro que nao resolve o problema da droga e protituição em lisboa. essa solução cabe ao estado. talvez ao legalizar a prostituição e criar casas proprias para tal, bem como casas de xuto. nao resolve, apenas se esconde problema mas sempre ajuda a controlar.
desculpe lá amigo, mas para quem vive na zona é um grande alivio poder sair à rua sem medo do que pode acontecer. sim, porque na zona da almirante reis, intendente, anjos e arredores não vive escumalha. vivem todo o tipo de pessoas que merecem tanto quanto os moradores do restelo ou da lapa ou de outros sitios benzoca ....

Anónimo disse...

A arte de dizer mal só por dizer. Agora o problema é o Intendente renovado, com vida própria e cheio de turistas que em segurança podem andar nas ruas deste maravilhoso e típico bairro de Lisboa e gastar o seu dinheiro nos estabelecimentos que ali recebem quem por bem vier.

Anónimo disse...

Gostaria de saber como se chama o edifício do Largo do Intendente Pina Manique 35. Onde está instalado o Sindicato dos Seguros. Terá sido algum palacete ? Alguém sabe a historia daquele edifício, antes de ser instalações do STAS? Obrigado