26/08/2010

"Mercado da Ribeira não pode morrer"

In Jornal de Notícias (26/8/2010)
Telma Roque


«Espaço centenário da Avenida 24 de Julho vai ser revitalizado. Vendedores dizem que não há

As peixeiras já não usam os seus pregões para chamar a freguesia, o burburinho das gentes já não massacra os ouvidos e há muitos espaços vazios, quando antes nem se via o chão devido à multidão que se acotovelada para apanhar o peixe mais fresco ou a couve mais verde e tenra.

O Mercado da Ribeira, na Avenida 24 de Julho, em Lisboa, está moribundo e a revitalização anunciada pela Câmara é recebida com expectativa. Além dos frescos, pouco mais há para animar o espaço do que bailes, feiras do livro e de coleccionismo.

“Quem visto isto como eu, quando para aqui vim, nem acredita. Isto era um mundo, era o mercado dos mercados de Lisboa. Vinha clientela de tudo quanto era sítio. Agora é um deserto. Era bom que não deixassem morrer o Mercado da Ribeira”, pede Maria da Piedade Simões. Tem 59 anos, mas desde os 14 que trabalha naquelas bancas, primeiro como empregada, depois como patroa. “Um destes dias, durante a manhã toda, só ganhei 1,70 euros, na venda de um quilo de bananas”.

O "movimento louco" do mercado deu lugar à apatia. "Agora é só para me entreter, não para ganhar dinheiro para pagar as contas", assegura, por sua vez, Rosa Gomes, que ali vende há mais de 60 anos. "Ainda me lembro do tempo em que os saloios vinham para cá vender de carroça. "Eu, por exemplo, vendia aos 10 quilos de azeitonas de cada vez, agora se forem 250 gramas já é muito. Por vezes, nem uma cebola, que é um produto básico, eu consigo vender", diz. A seu ver, foi a abertura do Mercado Abastecedor da Região de Lisboa que muito contribuiu para o declínio da Ribeira.
Revitalizar o Mercado da Ribeira é um dos objectivos da Câmara, para transformar este espaço centenário “num pólo de atracção local, turístico, cultural e gastronómico”.

A intervenção, além de estar integrada na futura requalificação do Eixo Terreiro do Paço – Ribeira das Naus – Cais do Sodré – Av. 24 de Julho, marca o arranque de uma estratégia mais vasta. José Sá Fernandes, vereador responsável pelos mercados lisboetas, apresenta, em Setembro, um Plano de Requalificação e Reabilitação dos Mercados.

Para o Mercado da Ribeira, inaugurado em 1882 e que tem 10 mil metros quadrados de área coberta, foi aberto um concurso público para a concessão da exploração do piso 1 e metade da nave Oeste do rés-do-chão, para a criação, preferencialmente, de um centro de degustação e “boutique” de sabores, constituído por múltiplos e diversificados pontos de venda.

No piso superior, a utilização deverá ser cultural, gastronómica, educacional e de lazer, que inclua centro de exposições, restaurante, bar, cafetaria de excelência, espaços multimédia e de divulgação e promoção turística, cultural, pequenos auditórios e zonas de serviços. O futuro concessionário poderá explorar ainda uma área de esplanada no exterior, e um quiosque, também com esplanada, no jardim da praça D. Luís I.

O concurso prevê ainda a execução obrigatória de várias obras de melhoramento no edifício, a cargo do concessionário, tais como iluminação, substituição de pavimentos e climatização, no valor mínimo de 550 mil euros.

“Espero sinceramente que resulte, porque precisamos mesmo de clientes. Ainda me lembro do tempo em que os clientes eram tantos que nem se via o chão. Agora quase não se faz dinheiro. É chapa ganha, chapa gasta”, diz Carla Barros, uma das peixeiras do Mercado da Ribeira.

A intervenção anunciada pela Câmara poderá ser o “balão de oxigénio” que o espaço necessita, mas Carla Barros critica o facto de a autarquia licenciar supermercados nas imediações dos mercados. Sublinha ainda que a falta de estacionamento é outro dos calcanhares de Aquiles do Mercado.

Alice Alves, que vende peixe no mercado há 36 anos, não se lembra de “tempos tão maus” e garante que há vários anos deixou de “gastar a garganta” com pregões. “Agora temos é que pedir quase de joelhos que comprem”, diz, em tom de brincadeira.»

...

Pois...

11 comentários:

Miguel disse...

Sem pessoas a morar nas imediações não há plano que resista. Qual estacionamento, qual boutiques de degustação, qual anfiteatro. O que é preciso para os mercados funcionarem são pessoas a morar perto! Muitas pessoas! Será assim tão difícil de perceber isto?

Mónica disse...

"só ganhei 1,70 euros, na venda de um quilo de bananas".

Se calhar o problema começa logo aí. No Pingo Doce e quejandos, um quilo de bananas custa 0,99 Euros.

Nuno disse...

Ó Mónica se pensares um pouco mais sobre a questão percebes que a fruta que é vendida nos mercados é de muito maior qualidade que a fruta trangénica que os supermercados vendem.
A questão é que a maior parte das pessoas prefere comer 1kg de banana que sabe a água por 0,99 que 1kg de banana verdadeiramente saborosa e produzida por famílas nacionais por 1,70 e além de maior sabor estar a contribuir para a riqueza do país!
Mas enfim é a cultura e o gosto de quem passa serões a ver TV e mamar com os anúncios todos dos supermercados, e depois até fica contente por pagar as bananas mais baratas, apesar de levar um carrinho cheio de bugigangas de que não precisa em que o supermercado tem uma margem de lucro superior.
Claro que podes sempre saltar de supermercado em supermercado apenas a comprar o que cada um tem em promoção com margens apertadíssimas, mas aí gastas em combustível ou bilhetes de transportes e em tempo.
É pena que isto não seja óbvio para a maioria da populaçao portuguesa.

Anónimo disse...

Hoje em dia só lá vão pessoas idosas e turistas (estes nem percebo o que lá vão fazer - devem ter posto o mercado nalgum guia - pois vistos os azulejos da entrada que dá para a 24 de Julho, tudo o resto é depressivo).

Anónimo disse...

Bananas portuguesas só se for da Madeira...

Raquel disse...

Primeiro "obrigaram" as pessoas a abandonar a cidade, depois criaram supermercados perto das casas das pessoas,depois "alguém" ficou muito contente de pagar míseros ordenados, o que obriga as pessoas a comprar o que é mais barato.E já agora pergunto com as mulheres a trabalhar quase de sol a sol, a que horas querem que vão ao mercado?
Ao menos que se salve o Património, em Tavira o Mercado foi reconvertido e está bem bonito, por tudo isto faço votos que não venha nenhum empreiteiro ou arquitecto que consiga autorização para fazer um condomínio de luxo na zona.

Xico205 disse...

O Nuno não vê televisão, mas sabe tudo o que a televisão dá!!! ...e os anuncios nem sequer vêm na lista de programação!!!

É o maior esta personagem!

Julio Amorim disse...

Interessante esta coisa dos mercados. Quando ultimamente visitei o mercado de Benfica deparei-me com uma clientela bastante idosa. Há umas décadas existiam as "donas de casa", hoje, durante o dia, as pessoas de ambos os sexos trabalham. Portanto, quem é que no seu tempo de vida activa (tirando os sábados) pode ir fazer compras a estes locais que encerram já de tarde?

Nuno disse...

Xico, voltando ao que interessa o problema do comércio tradicional é a desorganização completa da ocupação de espaço à volta das cidades, que gerou cidades dormitório, grandes deslocações casa-trabalho de automóvel e consequentemente uma descoordenação entre os horários do comércio e os tempos disponíveis das pessoas para as compras.
Assim, a família típica Portuguesa perde uma boa parte do seu tempo enlatada no carro nessas deslocações pendulares, gasta uma boa parte do seu orçamento a pagar empréstimos de casa e carro, já para não falar de combustíveis, seguros, oficinas, portagens, etc, o que a leva a ter que trabalhar mais horas, ter menos dinheiro disponível para comprar bens de qualidade e a ter que optar por superfícies comerciais perto do seu habitat de eleição - a via rápida / auto-estrada que a leva para os subúrbios!
É uma relidade Low-Cost, Low-Quality, Low-Expectations, Low-Culture, Low-Intelligence....
O caminho para o comércio tradicional é apelar aos consumidores high e não aos low do comércio de massas.
Eu sei qual o que quero e qual o sustentável...

Xico205 disse...

Voltando ao que interessa nada! Enterraste-te porque gravaste uma cassete e nem sabes o que dizes!

E nos suburbios não há comercio tradicional por acaso?!! Se o comercio tradicional não cumpre os horários que dão jeito aos clientes têm bom remédio: mudem de horários e baixem os preços, e façam um site para compras online e vão entregá-las a casa conforme fazem os hipermercados.

Anónimo disse...

Nuno, essas das bananas ou é no gozo ou então não percebes patavina do que estás a falar. Em Portugal vendem-se dois tipos de bananas, as da Madeira e depois as outras são todas bananas «Cavendish» (que já agora são todas clones umas das outras, só diferendo as condições de cultivo, mas em Portugal sem quilos de pesticidas de certeza que não as produzem em quantidades comercializáveis), por isso se preferes dar 1,70€ no mercado em vez de 0,99€ no Pingo Doce é porque gostas de ser roubado, e até existe uma grande possibilidade de serem exactamente bananas «Chiquita» (o maior produtor mundial, com o quase monopólio) nos dois sítios.