21/10/2008

Vem aí a requalificação do Lg.Trindade Coelho:

Amanhã, em sessão de CML, sob Prop. 912/2008, aprovar-se-á, ou não, a «minuta de Protocolo entre a Câmara Municipal de Lisboa e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa relativo à requalificação do Largo Trindade Coelho, nos termos da proposta».

À primeira vista, a ideia é boa e só peca por defeito. Ou seja:

Mais uma vez se trata de um projecto casuístico. Dada a história e dado o carisma da zona a CML devia tratar de desenvolver não um mini-arranjo do Largo Trindade Coelho, quiçá, fazendo o 'frete' à Santa Casa, mas criar um gabinete à semelhança do do Rossio, de há uns anos, e desenvolver um projecto integrado que englobasse os largos, igualmente importantíssimos, da Trindade (toda a gente pensa que aquilo que ali está é uma travessa entre a Rua da Misericórdia e a Nova da Trindade, mas trata-se de um largo (!) - e Bordalo Pinheiro, fazendo pois uma integração completa desde o Lg. Trindade Coelho até ao Largo do Carmo. E um projecto que envolvesse:

a) Reordenamento do trânsito (condicionando-o pura e simplesmente desde o Lg. Trindade Coelho até ao Lg. Trindade, deste ao Lg. Bordalo Pinheiro e deste ao do Carmo, deixando livres apenas dois percursos: Rua Serpa Pinto-L.Bordalo-Lg. Carmo e Cç.Sacramento-Rua da Trindade-R. Nova Trindade ... por causa do parque estacionamento da Império);

b) 'Pedonalização' integral dos Largos Bordalo Pinheiro, Trindade Coelho e Trindade, deixando os carris para a reactivação do eléctrico 24, em todos os seus ramais;

c) Arborização maciça de todo esse percurso, permitindo assim a criação de um mini-corredor verde entre o Largo do Carmo e o Largo Trindade Coelho, e deste ao Jardim-Miradouro de São Pedro de Alcântara;

d) Reabilitação do mobiliário urbano, não permitindo mistura de estilos nem materiais, ou seja, manter 100% os candeeiros clássicos, os quiosques, os bancos de jardim, etc.;

e) Calcetamento dos largos acima descritos com calçada portuguesa em disposição alusiva à tradição de desenhos lisboetas, compatíveis com a traça arquitectónica de toda essa zona.

Contudo, apenas uma parte destas linhas mestras está presente na proposta que o executivo leva a reunião de CML, senão veja-se:

Prevê-se o alargamento da placa central do Lg. Trindade Coelho, proporcionando amplitude ao largo, bem como a restrição do trânsito automóvel e ao estacionamento, a recuperação e recolocação dos quiosques e o embelezamento geral da praça, e tudo isso é bem-vindo. Mas:



1. Os limites da intervenção parecem-me exíguos, pois ao longo da Rua da Misericórdia, terminam mesmo antes do Largo da Trindade, e a única preocupação de facto é criar uns quantos lugares de estacionamento ao longo dos passeios. Erro crasso.


Na década de 40


Em 1808


2. Contudo, o ponto mais polémico do projecto refere-se à remoção do gradeamento (misto de ferro fundido e forjado, com motivos neo-góticos e 2 bons candeeiros incorporados no mesmo) da Igreja de São Roque, c/o argumento de se 'repor a imagem de 1808'. Acontece que a balustrada é de 1868, parece-me interessante e parte integrante da memória colectiva e, embora não sendo tão bonito nem valioso como o da Igreja de São Domingos, por exemplo, não deixa de ser património da cidade e imagem daquele largo desde há muitos anos. E o facto de no texto da proposta se mencionar que a balaustrada vai para os 'armazéns da CML para futura colocação', não augura nada de bom, e temo pelo seu futuro...

3. O projecto, embora mencionando a manutenção dos carris de eléctrico, confunde tudo e esquece-se da extensão ao Largo do Carmo, linha essencial para a reabertura do E-24.

4. Fala-se num projecto de iluminação pública mas não se sabe qual. Atenção, pois estão em causa candeeiros antigos, iguais ao do Largo Camões, que importa preservar a todo o custo. Quer sobre a balaustrada, quer no largo. Dado o passado recente de autêntico 'assassínio dos candeeiros históricos da cidade' por parte da CML, todo o cuidado é pouco e existe perigo iminente.

5. Finalmente, está prevista a colocação de uma estátua do Pe.Antº Vieira algures no largo. Não se diz onde, nem se sabe quais as dimensões do monumento. Tenho a opinião que já chega de 'bonecos' espalhados pela cidade: de calceteiros a bolas de pedra, há de tudo um pouco pela cidade. Ora, como é sabido, escultores como Machado de Castro ou Leopoldo de Almeida, é coisa que não existe nesta terra. Pelo que coisinhas bonitas como o 'falo do Eduardo VII' ou 'Pessoa enfiado num livro' são maluqueiras que nada trazem de bom a Lisboa. Até porque haverá muito melhores formas de perpetuar a memória e o legado do Pe. Antº Vieira do que colocar um mono naquele largo.

Extractos da memória descritiva:





Fotos: Aqui e Arquivo Municipal

3 comentários:

Anónimo disse...

O mais preocupante é a iluminação e a estátua! Querem preservar a imagem de 1800 e tiram os balaustres e os candeeiros de 1868, mas aposto que se preparam para colocar uma estatua tipo "anos 2000".E como é que se preserva a imagem de 1800 fazendo um novo adro?! É impressão minha ou isto é incoerente?

Anónimo disse...

Porra! até no chão têm que inventar! Porra! Malditos sejam!

Unknown disse...

Quem gizou tal solução para o largo não deverá perceber bem para que serve uma grade e, sobretudo, qual o papel dos gradeamentos na valorização da arquitectura (através da diferenciação cromática, do enfatizar da perspectiva, da protecção física, do reforço decorativo intrínseco ao desenho da grade, etc.).
Portanto, e por ser uma das mais interessantes grades lisboetas em espaço público; por ser ultrapassado e incoerente o critério de devolução do largo a uma certa época (isso era o que se alegava geralmente durante a época do Estado Novo, com resultados desastrosos no nosso Património); por não ter sido sequer seguido o propalado critério de devolução do largo a uma certa época (na verdade, o largo foi modificado de acordo com critérios contemporâneos, minimalistas, certamente invocando-se o critério histórico que mais convinha apenas para poder justificar as opções tomadas...); por estar subjacente à opção tomada um crónico preconceito ideológico contra uma certa época da história da cidade (o Romantismo); por ser um precedente perigoso e pedagogicamente pernicioso; é fácil concluir que foi um erro de palmatória a retirada da grade e candeeiros.
Disso já foi dado conta à SCML, que, à data, ainda não decidiu o destino a dar à grade (quanto aos candeeiros, foram colocados noutra igreja pertença da Misericórdia).
Como é óbvio, o destino ideal para a grade e seus pilares de cantaria é a recolocação. Haja coragem para assumir o erro...