17/04/2008

Pedro Bandeira Freire

Se eu não tivesse abandonado a vida dos jornais há exactamente um ano, a minha extensão teria tocado, eu teria levantado o auscultador maquinalmente e do outro lado o meu editor ter-me-ia encomendado o obituário do Pedro Bandeira Freire.

E eu teria que o fazer, o primeiro obituário de um amigo, ossos do ofício, porque os jornalistas são um pouco como os palhaços, the show must go on and so on, e tenho a certeza que dedilharia os 1500 caracteres - que eventualmente o meu jornal lhe dispensasse - com as lágrimas a que o meu teclado já estava habituado sempre que escrevia notícias (sem grande importância) sobre mais uma árvore abatida, ou mais um prédio da Lisboa que eu amo demolido.

Se bem que não chorei. O João disse-me, ao jantar, a meio de um bife sola-de-sapato feito com amor e com carinho, morreu o Pedro Bandeira Freire, e eu não tive reacção. Não é possível, como é que ele morreu, então ainda estive ao telefone com ele a semana passada...

O Pedro nunca me deixou de telefonar, mesmo sabendo que eu já não era jornalista, que pelo menos as minhas palavras já pouco ou nada podiam fazer pelo seu Quarteto.

Conheci o Pedro Bandeira Freire por encomenda do jornal. Vai entrevistar o fundador do Quarteto pelos 30 anos do primeiro Multiplex de Portugal, mandaram-me. E eu lá fui, torcendo o nariz, só-me-saem-duques, vamos lá ver se despacho isto rapidinho.

Marcámos ao telefone, fim de tarde no Acqua Roma. E, contra todas as expectativas, foi a melhor entrevista que fiz em 10 anos de carreira. Se calhar porque éramos vizinhos na Estados Unidos da América, e porque amávamos Alvalade e a Avenida de Roma, se calhar porque o meu primeiro beijo foi no Quarteto, ou mesmo só porque o Pedro Bandeira Freire tinha um charme irresistível, quase cinematográfico.

Na altura, o Pedro estava a lutar contra um Cancro. Vou vencer este filho da puta, disse-me. E eu acreditei que sim, que aquele homem que me poderia ter arrebatado o coração, acaso eu tivesse nascido 20 anos antes, podia tudo. Ele dizia, eu já estou velho, há que dar lugar aos novos, se houvesse alguém que pegasse no Quarteto eu ajudava, mas eu já não tenho forças, se ele fechar, fechou, já não me importa.

Mas não foi assim que o achei ao telefone, na semana passada, tinha acabado de sair de uma reunião com a Vereadora da Cultura, e estava tão entusiasmado e com esperança, pediu-me, Diana tenta convencer os teus amigos jornalistas para que não se esqueçam do Quarteto. Se se criar um movimento de cidadãos, se continuarem a sair notícias sobre o Quarteto, ele há-de renascer, disse-me.

E eu não o fiz nada. Por excesso de trabalho, por puro esquecimento.

Agora o Pedro morreu (e eu tenho a certeza que por desgosto).

Fica aqui o seu último desejo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Com a morte de Pedro Bandeira Freire morre um pouco mais a moribunda Lisboa,esburacada,engarrafada,espoliada e falida.
Morreu de desgosto certamente!


17-4-08 Lobo Villa