26/05/2006

Palacete neo-mourisco do Príncipe Real em vias de se tornar hotel


In Público (26/5/2006)

"Vereadora do Urbanismo elogia plano
Ana Henriques e Anabela Mendes

Construção de novos edifícios implicará destruição de parte dos jardins, o que indigna movimento cívico
A transformação, por via de um plano de pormenor, do palacete neomourisco do séc. XIX que existe no Príncipe Real em hotel de charme vai na próxima quarta-feira à reunião da Câmara de Lisboa, com vista à abertura de um período de discussão pública. As principais objecções relacionam-se com a construção de novos edifícios, que implicarão a destruição de parte dos seus jardins. Para o movimento cívico Fórum Cidadania Lisboa, o projecto para o palacete Ribeiro da Cunha "é chocante": "Dá cabo de todo o jardim, cavalariças e estruturas de apoio dos jardins, que datam do século XIX, e prevê a construção de cinco blocos, um nas cavalariças, ligado ao edifício principal por uma ponte de vidro, e mais quatro sobrepostos, em caixas, que não se enquadram na malha histórica, sobrepondo-se às árvores do Jardim Botânico."
São acusações refutadas pelo autor do plano, o arquitecto Pedro Emauz Silva, que defende que a rentabilização deste hoje decadente património é a única forma de o reabilitar e salvaguardar. "Concebido como habitação familiar, o palacete comporta um máximo de dez quartos, o que não o torna viável como hotel", observa. O plano de pormenor entregue por Pedro Emauz Silva à autarquia prevê que nesta parcela de terreno de 4600 metros quadrados entre o Príncipe Real e o Jardim Botânico sejam construídos cerca de 50 quartos, que se juntarão à meia dúzia a instalar no palacete.

"A nova construção não se vai ver praticamente de lado nenhum", assegura o arquitecto, em parte por causa do declive do terreno. O plano de pormenor fala numa volumetria "muito contida e minimalista". Actualmente, e de acordo com dados de Pedro Emauz Silva, o edifício apalaçado e algumas antigas dependências - que diz que serão reabilitadas - totalizam uma área de implantação no terreno de perto de 1300 metros quadrados. Se o seu plano for avante, a área de implantação subirá para perto do dobro, enquanto a área de construção aumentará dos actuais 2500 metros quadrados para quatro mil, "3600 dos quais parcialmente enterrados, numa cota mais baixa".
Segundo Paulo Ferrero, do Fórum Cidadania, o plano de pormenor que a Câmara de Lisboa se prepara para pôr a discussão pública não é senão "um projecto de alterações e construção, que tem como motivo contornar o Plano Director Municipal". De facto, este instrumento de planeamento proíbe a impermeabilização de mais de 20 por cento de jardins e logradouros - e mesmo assim com a única finalidade de "estacionamento em cave ou em construção à superfície". Daí a necessidade de elaborar um plano de pormenor, para legalizar as alterações pretendidas pelos proprietários do terreno, a família Lopo de Carvalho.

Para a vereadora do Urbanismo, estes planos representam uma "valia inequívoca" para "o desenvolvimento da cidade de Lisboa enquanto destino turístico histórico-cultural de referência". Além de que "não se encontram desenquadrados das características" daquela área histórica habitacional. De positivo, a autarquia destaca "a manutenção e recuperação do património construído, a criação de novos espaços articulados com os existentes, a reconversão de alguns dos anexos e a revitalização do jardim com a preservação das espécies arbóreas existentes". Este último aspecto poderá não ser exactamente assim, uma vez que alguns espécimes terão, de acordo com o plano de pormenor, de ser abatidos e substituídos.

O arquitecto diz que só serão demolidos alguns anexos espúrios, nomeadamente "uma garagem de automóveis sem interesse nenhum", enquanto o palacete Ribeiro da Cunha será totalmente reabilitado. "Não necessita de alterações estruturais, o que é muito bom", salienta Pedro Emauz Silva, que já esteve ligado à recuperação do Convento das Bernardas, na Madragoa.

Edifício cobiçado por empresa dos EUA para operação de reabilitação urbana
Embora ainda nas mãos da família Lopo de Carvalho, que constituiu uma empresa para o administrar, o palacete Ribeiro da Cunha é um dos que estão na mira da empresa norte-americana de capitais alemães Eastbanc, que quer levar a cabo no Príncipe Real uma grande operação de reabilitação urbana, à semelhança do que já fez no bairro de Georgetown, em Washington. Trata-se de um projecto a médio prazo que inclui habitação de luxo e comércio de prestígio que o arquitecto Souto Moura foi convidado a coordenar. Caso venda o palacete à Eastbanc, a família Lopo de Carvalho fá-lo-á já com um plano de pormenor aprovado, o que significa que a empresa norte-americana só poderá ali construir um hotel, cujas características serão aquelas que forem aprovadas pelos órgãos autárquicos. A.H
."

2 comentários:

Anónimo disse...

Não se pode continuar a criticar sistematicamente iniciativas que têm como objectivo a reutilização de edifícios de outras épocas. Tudo depende como é feita a sua reabilitação mesmo que tal implique o sacrifício de alguns espaços menos interessantes do ponto de vista arquitectónico.
josé rocha

John le Doe disse...

Caro José Rocha,
Perde o seu tempo, estes senhores são um achado porque nos poupam tempo à procura de intervenções "de nervo" em Lisboa. Ainda por cima são personagens raros, raríssimos, deverão viver em grutas milenares, imaculadamente preservadas e pejadas de árvores, algures entre Massamá e Carenque. Não imagino de outro modo: não sabem a diferença entre cidade e urbano (ou suburbano, que é o mesmo) e conspiram militantemente com o objectivo de devolver Lisboa à figura que tinha antes da ocupação humana (não, não disse romana, a coisa é mais séria), mas não os leve a mal, fazem-no com boas intenções, apenas não reconhecem aos outros o direito à cidade, acham que todos queremos viver no campo em cenário bucólico e querem ajudar-nos, adicionalmente não sabem o que é arquitectura (da boa!), nunca viram de perto. E ainda por cima os avós deles eram aquelas figuras pitorescas que pela calada da noite se aproximavam das caravelas e lhes retiravam a calafetagem, por boas razões naturalmente, para proteger esses inconscientes que se aventuravam em passos no escuro.
Mas continue a vir cá ocasionalmente, eles são exímios a descobrir inovações, faça-o é de barriga cheia para resistir aos ataques de nervos.