07/02/2005

Duas exposições, duas "blagues" (1)

“Conservação e Reabilitação Urbana, uma Nova Cultura de Cidade” em Exposição. O Primeiro-Ministro, Pedro Santana Lopes, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Carmona Rodrigues e a vereadora responsável pelo pelouro da Reabilitação Urbana, Eduarda Napoleão, inauguraram no dia 4 de Fevereiro, na Rua Garrett, nº 72, uma exposição sobre a reabilitação urbana, uma das principais opções estratégicas da autarquia para a modernização e a melhoria da qualidade de vida na cidade de Lisboa.

À partida é uma iniciativa louvável, como todas as mostras de obra feita o são. Como à partida é bem-vindo o espaço "Renascer Lisboa", no sítio da CML. Só que basta atentar no local onde está a dita exposição para se ter uma ideia do que tem sido "feito" ao longo dos anos nesta Lisboa. E basta consultar a lista de edifícios restaurados, do dito espaço, para imediatamente se perceber que por enquanto o seu conteúdo é mais propaganda eleitoral do "há-de ser feito", do que constatação factual do que "foi feito". Senão vejamos:

A exposição está metida num espaço do imenso empreendimento que é o "Edifício Império", ou seja, a exposição de reabilitação urbana faz-se num espaço que nada tem de "reabilitador" para Lisboa, uma vez que o dito edifício é uma, senão "a", das monstrusidades do Chiado, um prédio supostamente de habitação, com pátios e zonas verdes, mas em que só conta é o arrendamento para escritórios, um enormíssimo parque de estacionamento público e pouco mais. É pois um edifício que tresanda a abandono, que está praticamente inabitado, e que é tudo menos um símbolo de restauro cuidado e atento.

Mais, o espaço físico em que a exposição decorre é o do salão da saudosa e antiga Pastelaria Marques, uma das boas pastelarias (espécie em vias de extinção) que existiam naquela zona, e cujo frontespício de época ainda resiste ao camartelo sabe-lá porquê, em mais uma daquelas recuperações tão típicas dos nossos tempos, em que se escavaca o interior e se mantém a fachada, o que é ainda mais ridículo quando a fachada anuncia "Pastelaria Marques" e lá dento há um "hall" forrado a contraplacado de pinho, de acesso a escritórios. Aliás, o Chiado, como praticamente toda a Lisboa, é uma Lisboa de fachada. O Chiado vive às horas de ponta dos dias úteis, e do movimento dos Sábados, por força de alguns comerciantes com sentido estratégico mas, ainda mais, por força da FNAC. O Chiado continua a ser um espaço de escritórios, balcões bancários, confusão de altifalantes e de fachadas esterilizadas. O Chiado está longe de ser revitalizado, apesar de todas as exposições em contrário. Todos os anos há uma loja que abre, para fechar 1-2 anos depois, para depois reabrir uma outra, e assim sucessivamente. Contam-se pelos dedos de uma mão os casos de sucesso. Por outro lado, quem arrisca em habitar no Chiado, cedo o troca por outro local. As ruas e as entradas dos prédios cheiram mal, o trânsito está mal organizado, quando não anárquico, a insegurança de madrugada é um facto. Há ainda muito por fazer. O dinheiro é escasso, eu sei, mas há muito sub-aproveitamento e promessa por cumprir, destes e dos outros.

Por outro lado, o "Renascer Lisboa" poderá ser um bom instrumento de avaliação do que "foi feito", mas tal como está é pura perda de tempo lá ir. Os prédios listados não representam que não uma parte diminuta do universo de prédios abandonados de Lisboa, sendo que seria bom sabermos quantos prédios antigos de habitação caem todos os anos e são substituídos por novos para escritórios. Além disso, a maior parte dos edifícios listados não tem informação alguma, para além do número de polícia, não se sabendo quem é o dono, ou quem fez a obra, o que era e no que se transformou.

Por sua vez, falar-se do Intendente ou dos bairros do Castelo e do Chafariz de Dentro como estando recuperados, é pura fantasia. Avançou-se alguma coisa no terceiro caso, mas nos outros dois, as obras remontam há mais de uma década e continuarão por mais alguns anos, venha quem vier!! E falar-se em "projectos" do Parque Mayer, quando o que há é tão só uma mão cheia de nada, isto é, uns rabiscos de Gehry e umas virtualidades rudimentares; e do denominado "Alcântara XXI", quando o que se sabe é que as torres de Siza passaram a "pretérito imperfeito", convenhamos que é muito demagógico.

Resumindo e concluindo: há alguma coisa já feita (boa e má) e está muita a ser feita (boa e má), o que não acontecia há décadas, na maior parte dos casos. Aplaudo de pé recuperações de edifícios como as que decorrem nos do Círculo Eça de Queiroz, Grémio Literário, Rádio Renascença, etc.; mas é muito pouco para merecer uma exposição, muito pouco.

PF

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